sexta-feira, 14 de novembro de 2014

M*rdas que só mesmo connosco, nº 4: O boicote

Setembro de 2010

Na sequência de uma derrota em Guimarães em que se consideraram prejudicados pela arbitragem de Olegário Benquerença, o Estado-Maior benfiquista (direção, outros órgãos sociais, e figuras ilustres como António Pedro Vasconcelos e o jornalista de A Bola Fernando Guerra) reuniu, deliberou e comunicou o seguinte:

(vou apenas colocar as partes do comunicado mais sumarentas)
Há momentos que exigem ponderação de análise e firmeza na acção.(...) Perante a evidência de tantos erros em tão pouco tempo, a esperança de um campeonato sério ainda não morreu, mas foi fortemente atingida. Aceitar com ligeireza o que se tem passado neste início de campeonato é negar o obvio e pactuar com a mentira. (...)
Da reunião do plenário dos órgãos sociais do Sport Lisboa e Benfica foram assumidas as seguintes orientações:
a) ... A falta de credibilidade que está a atingir a arbitragem enfraquece o futebol e só quem não está preocupado com o futebol pode estar satisfeito com a presente situação. Não é ilibando, nem protegendo aqueles que reiteradamente erram que se protege o futebol. Há quem veja e queira fazer-se de cego. A esses, essa cegueira tem de custar-lhes caro. (...) O futebol não é viável sem verdade e sem acções. O senhor Vítor Pereira deve pronunciar-se sobre o que se passou, sobre o que pensa fazer para o futuro e sobre o entendimento que tem – na forma e no tempo - sobre a homenagem promovida no dia 5 de Setembro, pela Associação de Futebol do Porto, ao senhor Olegário Benquerença.
Citando o Presidente da UEFA, Michel Platini “os árbitros incompetentes devem ser varridos do futebol”. Pela nossa parte, acabou a tolerância com árbitros incompetentes ou habilidosos.
Cada um deve assumir as suas responsabilidades e o senhor Vítor Pereira tem a obrigação de garantir condições de igualdade nos critérios e na acção dos árbitros a todos os clubes em Portugal. Algo que até aqui não aconteceu.

Decretaram o boicote dos benfiquistas aos jogos fora, consideraram um secretário de Estado persona non grata, dispararam contra a comunicação social - enfim, ninguém escapou à fúria de Vieira, Nazaré e associados.

Perante isto, todo o setor de arbitragem cerrou fileiras perante o violento ataque de que foi alvo e...


... pediu desculpas ao Benfica pelo sucedido.


Agosto de 2011, 11 meses depois

No dia 13, na 1ª jornada do campeonato, o Sporting recebe em casa o Olhanense e empata 1-1, num jogo que ficou marcado por uma péssima arbitragem de Carlos Xistra, que não assinalou um penálti a favor do Sporting e anulou mal um golo a Hélder Postiga.

No dia 19, o Sporting apresentou em conferência de imprensa um conjunto de propostas para o setor da arbitragem. Na altura, o Expresso escreveu:
O presidente do Sporting admitiu hoje que tem havido "falta de respeito" pelo clube em arbitragens no Estádio de Alvalade, mas recusou-se a falar de premeditação dos juízes de futebol, preferindo classificar esses "erros sistemáticos" como "incompetência".
"Não posso falar em premeditação. Posso provar erros sistemáticos e isso é incompetência. A forma como somos tratados em Alvalade revela falta de respeito", disse Godinho Lopes, em conferência de imprensa, para apresentação do documento: "Arbitragem como charneira da atividade do futebol profissional -- Linhas gerais de uma programa de ação".
O responsável pelos "leões" considerou ainda que "o resultado do trabalho da equipa de arbitragem" no Sporting-Olhanense, da primeira jornada (1-1), "foi incompetente".

Em termos de violência, não se pode dizer que se tenha aproximado sequer do comunicado do Benfica 11 meses antes. No entanto, foi o suficiente para que João "pode ser" Ferreira , nomeado para arbitrar o Beira-Mar - Sporting no dia 21, alegando falta de condições psicológicas. Vítor Pereira nomeou então Paulo Baptista, que também recusou arbitrar o jogo. Depois disso, todos os árbitros se mostraram indisponíveis.

Foi necessário recorrer a um árbitro presente na bancada. Fernando Martins, árbitro de Aveiro dos escalões distritais, voluntariou-se e dirigiu a partida. Genericamente esteve bem, mas falhou ao não marcar um penálti existente a favor do Sporting.

O boicote acabaria dias depois. Pedro Proença foi o escolhido para arbitrar o Sporting - Marítimo, que acabou com a vitória dos insulares por 3-2. Mais uma vez foi uma arbitragem "infeliz": no princípio do jogo foi anulado um golo regular a Evaldo.

Meses mais tarde, quer João Ferreira quer Paulo Baptista foram castigados pela recusa em arbitrar o Beira-Mar - Sporting, sendo também penalizados na classificação. Como medida de solidariedade, todos os outros árbitros chumbaram um teste físico para que os dois não fossem prejudicados.

O historial do futebol português está cheio de casos de declarações contundentes e violentas que abrem a suspeição sobre a honra e isenção de árbitros. Nenhum dos grandes pode afirmar que nunca se envolveu em episódios deste tipo. Mas por algum motivo só as declarações do Sporting (que até podem ser consideradas como moderadas, comparando com outras coisas antes ditas ou escritas) levaram a uma atitude corporativa desta dimensão por parte dos árbitros.

Seria interessante saber por que motivo os árbitros nunca se sentem tão incomodados quando as acusações vêm de outras bandas.