Costuma dizer-se que um bom negócio é aquele em que todas as partes envolvidas ficam satisfeitas com os termos acordados. No entanto, nem sempre isso é possível quando a força negocial de uma das partes é suficientemente grande para impôr a sua vontade.
Existem muitos clubes que não estão satisfeitos com o montante que recebem pela cedência dos direitos televisivos à Sport TV. Esse descontentamento é mais acentuado nos clubes pequenos, e foi com a benção desses clubes que Mário Figueiredo avançou com o processo de contestação dos contratos atuais com vista a uma renegociação centralizada.
Isto é tudo muito bonito ao nível das intenções, mas a verdade é que o valor de mercado da liga portuguesa é bastante reduzido quando comparado com outros países. A melhor prova disso é que a Sport TV já não dá lucro desde 2011 (em 2013 deu €6M de prejuízo), havendo inclusivamente exigências dos acionistas para cortar custos. A Benfica TV dá lucro apenas porque o seu principal produto lhe custa 0.
Para além disso, vejo em todo este processo demasiados interesses antagónicos que me impedem de conseguir compreender como se irão juntar todas as peças do puzzle da centralização. Aqui ficam aqueles que são para mim os potenciais focos de problema na sua concretização:
Questão nº 1: A centralização fortalece a posição negocial dos clubes em geral?
Isso seria verdade se existisse um segundo operador com força suficiente para entrar num leilão com a Sport TV. Estão a ver algum operador que consiga chegar-se à frente e a bater com dezenas de milhões na mesa (a avaliação atual deve andar nos €60M, por isso podemos assumir um ataque destes à Sport TV não teria sucesso por menos de €70M ou €80M), sabendo que não os vai conseguir reaver a curto ou sequer a médio prazo? Eu não.
Para além disso, esse operador teria que fazer essa jogada negocial sem o apoio do Novo Banco e do BCP, que são acionistas da Sportinveste. Aliás, a tendência atual é que a banca fuja do futebol. Também em eventuais parcerias com operadoras de cabo o panorama não é famoso: a NOS é acionista direta da Sport TV, e a PT definitivamente não está em condições de se meter numa guerra destas.
Ou seja, é altamente improvável que os clubes venham a ter mais do que um interlocutor pela frente. Não havendo nenhum concorrente que ajude a inflacionar as ofertas, é improvável que a Sport TV se veja forçada a aumentar consideravelmente os valores a pagar aos clubes: não só por falta de concorrência, mas também pelo aperto financeiro em que vive atualmente. É preciso não esquecer que os clubes precisam tanto da Sport TV como a Sport TV precisa dos clubes.
Questão nº 2: O que ganham os grandes com a negociação centralizada?
Nada, na minha opinião. No panorama atual, em que o Benfica não vende os seus direitos, a Sport TV não pode deixar fugir os jogos de Sporting e Porto. A operadora já sofreu com a perda dos jogos do Benfica, e é de imaginar que os efeitos da perda de outro grande seria imensamente prejudicial. Como tal, Sporting e Porto são decisivos para sobrevivência da Sport TV, e têm todas as vantagens em manter o poder de negociarem individualmente os direitos dos seus jogos quando chegar a altura de renovar os respetivos contratos.
Questão nº 3: A centralização será boa para os clubes mais pequenos?
Enquanto Sporting, Benfica e Porto têm para vender 17 jogos anuais com garantia de boas audiências (sendo que 2 dessas 17 partidas fazem parar o país), os restantes clubes têm apenas 3 jogos que interessam ao grande público. Tudo o resto, salvo uma ou outra exceção, e com todo o respeito por esses emblemas, são pouco mais do que entulho. Por que motivo hei-de querer assistir a um Arouca - Guimarães (e nem será dos piores jogos) se à mesma hora joga o Real Madrid, o Bayern, o Barcelona ou o PSG?
É normal que os grandes reclamem uma fatia do bolo substancialmente superior à dos restantes clubes. Tudo o que for "cedido" aos pequenos para além do valor justo (que provavelmente à volta de 15% do que os grandes recebem) seria pura boa vontade do canal que lhes comprar os direitos. Admito, no entanto, que existam clubes que recebem bastante abaixo dessa percentagem.
O problema principal é que não havendo disponibilidade financeira da Sport TV para pagar mais pelos jogos, não estou a ver os clubes grandes a abdicarem dos valores que recebem atualmente em favor dos clubes mais pequenos. Mesmo que o plano da Santa Aliança seja reduzir a fatia do Sporting em favor dos clubes mais pequenos, isso dividido por todos iria dar uma ninharia. Os clubes pequenos definitivamente não ficariam em muito melhor situação.
Ou seja, só será bom para os pequenos se todos grandes saírem a perder. Se Mário Figueiredo até poderia ter essa intenção, seguramente que Luís Duque não é homem para fazer o papel de paladino dos pequenos quando chegar a altura de dividir o bolo pelos clubes.
Ou seja, só será bom para os pequenos se todos grandes saírem a perder. Se Mário Figueiredo até poderia ter essa intenção, seguramente que Luís Duque não é homem para fazer o papel de paladino dos pequenos quando chegar a altura de dividir o bolo pelos clubes.
Questão nº 4: Que interesse tem o Benfica na centralização?
Rui Gomes da Silva mencionou há algumas semanas a possibilidade de Benfica TV e Sport TV poderem conviver num cenário de centralização, a partir de uma plataforma comum que permitisse cada canal transmitir os seus jogos. A leitura mais lógica dessas palavras é que o Benfica pretenderá transformar o seu canal numa espécie de Sport TV 6, recebendo uma parcela das receitas totais que os dois canais no conjunto obtiverem.
Se as palavras de Rui Gomes da Silva tiverem um fundo de verdade, isso acaba por ser um sinal de fraqueza da Benfica TV. Significaria que os dirigentes não obtiveram os lucros esperados num ano desportivo notável, ao mesmo tempo que se estarão a questionar qual será a performance financeira do canal se os resultados começarem a desiludir.
Voltando à tal plataforma comum, não vejo grandes benefícios para a Sport TV em aceitar um acordo desses. Mesmo sendo verdade que a Benfica TV roubou clientes à Sport TV, as sinergias não são suficientemente interessantes para que a Sport TV esteja a entregar um valor significativo a um concorrente que apenas tem para partilhar direitos de 1 clube e de 1 liga estrangeira. A não ser, claro, que o pacote Sport TV + Benfica TV passe a custar cerca de €45 / mês para que ambos os canais acabem por ter contrapartidas que compensem o casamento. O problema é que seriam poucos os clientes com capacidade de pagarem €500 por ano para verem futebol em casa.
Se o Benfica quiser continuar a ter um canal independente e concorrente da Sport TV, então a centralização simplesmente não será possível.
Questão nº 5: A SportTV tem interesse em negociar?
A Sport TV tem vários contratos de longa duração em vigor, incluindo os direitos de Sporting e Porto até 2019. Por que motivo o canal estaria disposto a abdicar desses contratos? Quanto muito teriam interesse em negociar as transmissões dos campeonatos posteriores ao final do contrato com o Sporting e Porto, ou seja, referentes às épocas de 2019/20 para a frente.
A Benfica TV paga €2,5M por ano para transmitir em exclusivo a liga inglesa. O que acham que será prioritário para a Sport TV (que não tem recursos ilimitados): dar €2M por ano a clubes como o Moreirense ou o Gil Vicente em contrapartida de 3 jogos com interesse, ou dar um valor equivalente à liga espanhola ou alemã para dezenas de jogos de espetáculo garantido?
Resumindo, estamos perante uma potencial negociação que terá que lidar com vários interesses antagónicos: Benfica (pela Benfica TV), Porto, Sporting (se o clube se aperceber que será o sacrificado na repartição do bolo), os clubes pequenos e a Sport TV. Os pequenos querem uma parcela maior e os grandes não vão querer perder dinheiro, já que a sua situação financeira não está para brincarem à caridade. A Sport TV não tem condições para pagar mais e para além disso tem vários contratos de longa duração. Nada disto encaixa, pois não?