sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O negócio Rojo

Entre os documentos revelados pelo Football Leaks estão os contratos assinados pelo Sporting com a Doyen e com o Spartak de Moscovo para a transferência de Marcos Rojo para Alvalade. Quem se dê ao trabalho de ler o conteúdo desses documentos certamente que não deixará de ficar arrepiado pela péssima defesa dos interesses do clube.

Já se sabia que o jogador custou €4M, tendo sido €1M suportado pelo Sporting e €3M pela Doyen. Olhemos agora para outras cláusulas relevantes, algumas das quais ainda não eram conhecidas.
  • O Spartak de Moscovo tinha sempre direito a €1M da venda de Rojo pelo Sporting, independentemente do valor da transferência.
  • Adicionalmente, se a transferência fosse feita por valores acima dos €5M, o Spartak de Moscovo tinha direito a receber 20% do valor que ultrapassasse este patamar.
  • Em caso de venda, independentemente do valor da transferência, o montante a que a Doyen teria a receber do Sporting nunca poderia ser inferior a €4,2M.
  • No caso de o contrato de Rojo chegar ao fim sem ter sido vendido pelo Sporting, a Doyen teria a receber do Sporting uma indemnização de €4,2M.
  • Se Rojo rescindisse com o Sporting e não lhe fosse atribuída justa causa, o Sporting teria que entregar à Doyen o valor superior entre estas duas hipóteses: 1) 35% da indemnização devida por Rojo ao Sporting; 2) €3,7M.
  • No caso de uma venda, caberia ao Sporting suportar a totalidade das despesas, incluindo comissões e mecanismo de solidariedade (o mecanismo de solidariedade com os clubes formadores é normalmente pago pelo novo clube do jogador, mas de qualquer forma há uma cláusula no contrato entre o Sporting e a Doyen a prever isto).
  • O Sporting era obrigado a fazer um seguro para a eventualidade de morte ou lesão incapacitante do jogador de valor não inferior a €3,7M. Na eventualidade de o seguro ser acionado, a totalidade do valor seria entregue à Doyen. Se a companhia seguradora entendesse pagar menos de €3,7M, o Sporting teria que indemnizar a Doyen pela diferença.
  • Se o Sporting renovasse o contrato de Rojo sem autorização da Doyen, o fundo poderia optar por uma de duas situações: 1) exigir o pagamento de €4,2M por troca dos 75% do passe que possuiam; 2) manter os 75% e estendo todos os direitos à totalidade da duração do novo contrato.
  • A qualquer altura a Doyen poderia obrigar o Sporting a comprar os seus 75% dos direitos desportivos por €3,7M. Se isso acontecesse, e se posteriormente o Sporting vendesse Rojo nas duas janelas de transferências seguintes (tendo já o clube os 100% dos direitos desportivos do jogador), a Doyen manteria o direito ao diferencial entre 35% do valor total da transferência e os €3,7M recebidos, caso os 35% fossem superiores aos €3,7M.

Considerando as cláusulas acima descritas, fiz um gráfico que mostra - para transferências entre €1M e €30M (o valor da cláusula de rescisão) - qual seria o lucro da Doyen, o lucro do Sporting e o valor a que o Spartak teria direito numa eventual venda de Rojo.


Não, não estão a ver mal. A linha verde é a do Sporting. Vamos esticar em altura a linha do Sporting para termos um pouco mais de detalhe.


Ou seja, o Sporting só não teria prejuízo caso vendesse o jogador por €20M ou mais. E no melhor cenário possível - a venda pelos €30M da cláusula de rescisão - o Sporting teria um lucro total de €500.000, aos quais se teriam que abater todas as despesas incorridas do processo de venda, bem como a comissão e o prémio de assinatura pagos no momento da contratação do jogador (que não estão aqui incluídos, já que não foram divulgados).

Quanto à Doyen, tinha a garantia que o seu lucro nunca seria inferior a €1,2M, ou seja, estava assegurada uma valorização nunca inferior a 40% do dinheiro investido. Este tipo de relacionamento entre um fundo e um clube, em que uma das partes à partida não tem qualquer hipótese de retirar qualquer benefício do seu investimento, nunca pode ser considerado como parceria - expressão que os representantes dos fundos gostam muito de utilizar. Não passa de pura exploração de entidades cujo objetivo é distorcer o mercado de forma a impedir que uma fatia significativa dos jogadores mais promissores estejam ao alcance da maior parte dos clubes - a não ser que se metam nestas parcerias.

Por outro lado, o Sporting não era obrigado a assinar um contrato destes. Rojo era um jogador com potencial mas estava longe de ser um jogador feito. É inaceitável que os dirigentes do Sporting tenham aceitado desenvolver um jogador sabendo à partida que nunca poderia tirar qualquer proveito financeiro da sua valorização. O buraco em que o clube acabaria por cair também se explica pela ausência de bom-senso em negócios destes.


P.S.: ficámos também a conhecer a cláusula que o Sporting invoca para a legitimação da rescisão do contrato com a Doyen:


Parece claro que uma cláusula que condiciona a renovação de contrato do jogador é uma interferência tácita na política do clube na gestão do atleta. Mensagens enviadas pelo líder do fundo a ameaçar que o jogador poderá levantar problemas caso não seja transferido também são uma pressão que a cláusula 14 claramente proíbe.