quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Processos disciplinares à la carte

Confirmou-se ontem aquilo que já todos sabíamos que iria acontecer: a secção não profissional do Conselho de Disciplina da FPF decidiu instaurar um processo disciplinar a Slimani pela agressão a Samaris no dérbi para a Taça de Portugal.

Em primeiro lugar, que fique claro: Slimani agrediu Samaris e devia ter sido expulso nesse momento. No entanto, isso não justifica esta decisão absurda do CD. A queixa do Benfica devia ter sido prontamente arquivada, como o foram as várias queixas que o Sporting apresentou sobre várias agressões de jogadores benfiquistas nessa mesma partida (LINK e LINK).

E deveria ter sido arquivada porquê? Porque os regulamentos da FPF não prevêem a execução de sumaríssimos baseados em imagens de vídeo. Ao contrário do que se passa nos jogos da Liga, a secção não profissional do CD apenas se pode basear nos factos relatados no relatório do árbitro.

in JN, via @captomente

A decisão do CD é, portanto, duplamente aberrante. Não só decide de forma diferente situações idênticas referentes a uma mesma partida - decidindo instaurar um processo disciplinar a um jogador do Sporting por agressão a um jogador do Benfica, e arquivando a queixa das agressões de jogadores do Benfica a jogadores do Sporting -, como não existe enquadramento nos regulamentos que legitime a aceitação do vídeo apresentado pelo Benfica como prova.

Mas, infelizmente, esta não é a primeira demonstração de atroz incompetência (ou outra coisa que lhe queiram chamar) da secção não profissional do órgão presidido pelo Juiz Herculano Lima - o inventor do dolo sem intenção -, que é também composto pelo Vice-Presidente Manuel Saraiva e pelos vogais Vítor Carvalho, Jorge Amaral, Domingos Cordeiro, João Guimas e Leonel Gonçalves.

Fonte: fpf.pt

No dia 22 junho de 2012, o Sporting fez uma exposição dos incidentes ocorridos no jogo 3 da final de futsal com o Benfica, disputado três dias antes, que incluía acusações. a vários jogadores da equipa benfiquista, de injúrias e ofensas à integridade física - nomeadamente Ricardinho e César Paulo. O órgão competente para julgar este caso era, precisamente, a secção não profissional do CD.

O processo ficou em águas de bacalhau durante meses. No dia 1 de março de 2013, ou seja 9 meses depois, o CD decidiu colocar um processo disciplinar a Ricardinho e ilibar César Paulo. O Sporting recorreu para o CJ que, no dia 2 de maio de 2013, anulou a decisão e enviou o processo de volta ao CD para ser reapreciado.

Só no dia 11 de outubro de 2013, ou seja, mais de 5 meses depois, é que o CD reabriu o processo de averiguações, que se prolongaria mais uma vez de forma inacreditável no tempo. A 26 de setembro de 2014, o CD decidiu colocar processos disciplinares aos jogadores Ricardinho, César Paulo e Marcos Affini. E, finalmente, a 26 de junho de 2015, saiu o "veredicto": os três jogadores foram absolvidos porque as ofensas de que eram acusados já tinha prescrito. Inacreditável.

O Sporting recorreu para o CJ, que se declarou incompetente para apreciar o recurso, dirigindo-o no dia 24 de julho de 2015 para o recém-criado TAD (Tribunal Arbitral de Desporto).

O TAD iniciou o julgamento do caso no princípio de novembro e demorou apenas 20 dias a decidir. Obviamente, nada havia a fazer em relação à prescrição do prazo. Não obstante, o tribunal incluiu algumas observações no acórdão que são bastante claras: em como a atitude de Ricardinho foi altamente censurável e passível de se considerar crime de injúria, e que, em relação a César Paulo, ficou dado como provado o arremesso deliberado da bola contra a tribuna da equipa do SCP, procurando atingir dirigentes do SCP, incorrendo como tal numa infração disciplinar muito grave.

Recapitulando:
  • 19/06/2012 - Jogo 3 da final
  • 22/06/2012 - Exposição do Sporting junto do CD
  • 01/03/2013 - CD coloca processo disciplinar a Ricardinho e iliba César Paulo; Sporting recorre para o CJ
  • 02/05/2013 - CJ anula decisão e reenvia processo para o CD
  • 11/10/2013 - CD reabre processo
  • 26/09/2014 - CD coloca processos disciplinares a Ricardinho, César Paulo e Marcos Affini
  • 26/06/2015 - CD absolve os jogadores por prescrição das infrações

Foi, portanto, a incompetência / inércia / esquecimento seletivo da secção não profissional do CD que, deixando na gaveta o processo durante 3 anos e 4 dias (com um intervalo de apenas 2 meses pelo meio, em que o 1º recurso esteve do lado do CJ), fez com que os jogadores não tivessem sido punidos por atos que, comprovadamente, cometeram.

As pessoas que decidiram arquivar as queixas do Sporting e dar sequência às queixas do Benfica estão, portanto, apresentadas. Obviamente, ninguém ficará espantado se o processo disciplinar a Slimani for concluído a tempo de causar danos desportivos graves ao Sporting ainda esta época. Pelo menos servirá para tirar a dúvida se estaremos perante indivíduos incompetentes ou mal-intencionados. A data em que o castigo for conhecido assim o determinará.

(obrigado, ZFS!)

Adenda (12h45): o regulamento disciplinar da FPF foi alterado em junho de 2015, passando a admitir imagens como meio de prova nos processos julgados pela secção não profissional do CD. Ainda assim, continua a permanecer a questão do arquivamento da queixa das múltiplas agressões de jogadores do Benfica a jogadores do Sporting.