Podem ler sobre algumas curiosidades deliciosas no histórico da amizade Benfica / Rubio Ñu, recuperadas ontem pelo Mister do Café neste post obrigatório: LINK.
Já agora, aproveito para fazer alguns comentários sobre esta situação.
É evidente que o facto de o Benfica comprar um jogador paraguaio sem valor desportivo aparente, por si só, não é nenhum problema. Mas são factos que:
1. Vera assinou pelo Benfica com 21 anos. Não era internacional A, nem sequer internacional Sub-20 pela seleção do Paraguai. Começou a jogar muito novo no Rubio Ñu, mas ao longo dos anos foi perdendo gás. Quando foi contratado, vinha de uma época em que tinha sido titular em apenas 5 jogos, apesar de a concorrência não ser forte: o Rubio Ñu é um modesto clube de 2ª metade da tabela do campeonato paraguaio que, no século XXI, nunca conseguiu melhor que um 7º lugar (a primeira divisão paraguaia tem apenas 12 clubes).
2. Apesar disto, o Benfica pagou praticamente 3 milhões de euros pelo seu passe, pulverizando o anterior recorde de uma venda do clube paraguaio, que era de 1 milhão de euros. O Transfermarkt avaliava Vera, na altura, em 25.000€.
3. Passado um ano após contratar Vera, o Benfica emprestou-o ao CA Fenix, um clube de meio da tabela da primeira divisão uruguaia para onde, poucos dias antes, já tinha despachado Elbio Alvarez (quem, perguntam vocês? pois...). Escolha estranha para colocar um ativo que, pelo valor investido, deveria merecer um acompanhamento diferente.
Em relação a certos ataques ao artigo que traduzi ontem, não tenho que estar a defender quem escreveu o artigo, mas:
- Pelo que li, o jogador Francisco Vera só arranjou clube muito perto do final do mês de agosto (a notícia do jornal O Jogo é de dia 31). Quando a entrevista foi feita, muito provavelmente o jogador ainda não devia ter clube.
- A palavra "retiró" está escrita entre 's, o que significa que o autor deve estar a dar-lhe um sentido ligeiramente diferente do literal. A minha interpretação é "afastou-se" ou "está afastado", em virtude de, um ano depois da milionária transferência, não ter clube na altura em que o jornalista se inteirou do seu estado profissional.
- Nada disto muda aquilo que deveria ser o foco deste artigo: a compra do jogador por 3M não tem qualquer justificação lógica. O facto de isso ser uma situação demasiado frequente no Benfica não deveria servir de atenuante para as suspeitas que foram levantadas pelo jornalista paraguaio, mas sim de preocupação adicional.
Mudando o tema para a lavagem de dinheiro, referida no artigo do jornal paraguaio, fica uma pequena explicação para quem não sabe do que se trata: falamos de operações em que uma determinada pessoa ou organização tenta transformar dinheiro obtido de forma ilegal (sujo) em dinheiro legítimo (limpo). Uma das formas de se conseguir lavar dinheiro é gerar receitas inexistentes que ajudem a justificar os sinais exteriores de riqueza da tal pessoa ou organização. Um dos métodos que existe para gerar receitas de forma inexistente é através da emissão de faturas falsas.
Num cenário hipotético: o indivíduo A quer legalizar 5 milhões de euros obtidos através de uma atividade ilegal.
O indivíduo A tem um parceiro, o indivíduo B. O indivíduo A vende uma mercadoria ou um serviço fictício à empresa do indíviduo B, e passa, através da sua empresa, uma fatura no valor de 5 milhões, para assim poder apresentar receitas de 5 milhões na sua empresa. Posteriormente, irá passar para nome individual uma grande parte desse valor, através da distribuição de dividendos, salários, prémios ou outro tipo de compensações. Falamos, portanto, de dinheiro que estava na economia paralela e que assim passa a estar no sistema financeiro legítimo.
Não é preciso o indivíduo B pagar nada ao indivíduo A, mas até pode interessar ou ser necessário fazê-lo. Por exemplo, para mascarar melhor a operação, o indivíduo B faz uma transferência em nome do indivíduo A dos tais 5 milhões. Noutra altura, que tanto pode ser antes ou depois da tal transferência, o indivíduo A devolve os 5 milhões ao indivíduo B (através de canais mais complexos, como off-shores, ou mais simples, como uma mala cheia de dinheiro entregue em mão). O indivíduo B ficará então com 5 milhões off-the-grid, na chamada economia paralela, que poderá usar, por exemplo, para certo tipo de despesas menos lícitas - aquelas que, precisando de ser efetuadas, não podem ficar registadas nas contas da empresa.