quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A entrevista de Bruno de Carvalho ao Record

A entrevista de Bruno de Carvalho ao Record foi dividida em duas partes. A primeira foi conduzida mais na ótica do candidato e das eleições que se aproximam, enquanto a segunda se centrou nas questões da atualidade que dizem respeito à equipa de futebol. Achei mais interessante a segunda metade do que a primeira. 

No que às eleições diz respeito, Bruno de Carvalho esteve bem. Soube rebater as acusações de Pedro Madeira Rodrigues e aproveitou para enviar algumas farpas de volta. Não houve muito mais sumo para espremer, já que não houve novidades sobre os planos de Bruno de Carvalho para o segundo mandato.

Na segunda parte da entrevista, os temas foram mais variados e interessantes: o caso do túnel, a questão dos 22 títulos, a estratégia das cláusulas de rescisão, o problema das VMOCs, e a equipa de futebol. Na minha opinião, Bruno de Carvalho esteve muito bem nas explicações que deu.

Considerando a entrevista bastante positiva na generalidade, quero fazer alguns comentários mais detalhados relativamente a alguns pontos mais complexos.



A questão da militância - segundo Bruno de Carvalho, foi este o motivo que o levou a ponderar a sua recandidatura (ou, se preferirem, a alimentar o tabu sobre a sua recandidatura). Ao contrário dos habituais chavões benfiquistas que não tardaram a aparecer após a publicação da entrevista, o presidente não se referiu à militância dos sportinguistas no apoio à equipa e à direção que lidera. Referiu-se, isso sim, à diferença de tratamento e ao nível de intervenção dos sportinguistas que ocupam lugares de decisão nas várias áreas da sociedade, face ao que é a realidade dos seus rivais. 

Isso é uma evidência indesmentível, começando pelo próprio poder político. É longo o historial de favorecimentos a Benfica e Porto: há, por exemplo, a construção do centro de estágio do Olival, cujos custos foram suportados na totalidade pela Câmara Municipal de Gaia; ou os facilitismos concedidos ao Benfica nos processos de construção do estádio e do centro de estágios do Seixal. Outros exemplos se arranjariam com facilidade. Com o Sporting, no entanto, o passado mais recente tem sido o oposto, com o poder político a funcionar como entrave em determinados projetos - nomeadamente a postura da Câmara Municipal de Lisboa. 

Mas não é apenas ao poder político a que Bruno de Carvalho se refere. Acredito que, na sua mente, esteja também a falta de ajuda dos sportinguistas com peso no mundo empresarial - que se poderia traduzir em mais patrocínios ou, simplesmente, em vendas de camarotes. 

Lobby político e participação do mundo empresarial na vida do clube: dois aspetos em que se nota, claramente, um atraso em relação aos rivais. Bruno de Carvalho tem razão? A meu ver, sim: deveria haver mais pro-atividade dos sportinguistas na colaboração com o clube, dentro daquilo que é razoável no âmbito das suas áreas de ação. E não devia ser necessário o clube pedir essa ajuda. Isto não invalida que o clube não possa criar melhores condições para que essa colaboração aumente - ajudava, por exemplo, que o Sporting trabalhasse (muito) melhor o setor corporate -, mas, de facto, os sportinguistas com assento em lugares de decisão podem fazer mais pelo clube.

A relação com a arbitragem - Bruno de Carvalho voltou a ser bastante compreensivo com o setor da arbitragem. Aprova as mudanças que estão a ser levadas a cabo pelo Conselho de Arbitragem, e disse que não lhe desagradaria que Jorge Sousa fosse novamente nomeado para o dérbi. Eu, infelizmente, não sou tão otimista em relação a esta temática. O quadro de árbitros é miserável. É verdade que é com este quadro de árbitros que teremos de viver nos próximos anos, e é verdade que o novo Conselho de Arbitragem nada pode fazer a curto prazo para melhorar a sua qualidade, mas o passado já demonstrou que de pouco nos tem servido uma postura de compreensão (verdade seja dita que a postura de confrontação também nunca nos levou a lado nenhum). Quanto à boa-vontade dos dirigentes que compõem o Conselho de Arbitragem, vou esperar para ver: na minha opinião, impõe-se uma revisão da nota que foi atribuída a Jorge Sousa no dérbi - uma autêntica afronta ao Sporting. Se o CA a deixar ficar como está, ficamos a saber ao que vêm.

O novo investidor - Bruno de Carvalho diz que já há um novo investidor e que o dinheiro já entrou. Se assim é, por que motivo não se anuncia à CMVM? Quando entrou o investidor e o dinheiro? Está espelhado nas contas do primeiro trimestre, ou aconteceu depois disso? Até posso admitir que não se divulgue já o nome a pedido do investidor, mas este foi o ponto da entrevista que mais me desagradou.

A guerra com o Benfica - Bruno de Carvalho fez bem em apontar para a hipocrisia de Luís Filipe Vieira. As palavras (aparentemente) pacificadoras do presidente do Benfica não encontram qualquer correspondência nas ações da estrutura que tem a trabalhar para si. O episódio da garrafa de água no camarote é de uma baixeza inqualificável, mesmo considerando o atual corte de relações entre ambos os clubes. No entanto, não concordo com Bruno de Carvalho em relação à estratégia de comunicação que tem seguido: não vejo o que se ganha com o facto de o presidente e o diretor de comunicação do Sporting estarem frequentemente a dar palco a paineleiros adversários - mesmo que o motivo seja apenas o de dar um contexto à mensagem, usando as suas próprias palavras. É verdade que a máquina de propaganda do Benfica é muito complicada de combater, mas o Sporting tem sido menos eficaz do que poderia ser, caso fosse mais cirúrgico nos momentos em que aponta as baterias para o rival. E custa-me muito a crer que as intervenções de Bruno de Carvalho sejam milimetricamente pensadas. Algumas, acredito que sim. Todas? Não me parece...

Jesus e o plantel - Bruno de Carvalho fez o que tinha a fazer, ao demonstrar total confiança ao trabalho de Jorge Jesus e à qualidade do plantel. Não podia ser de outra forma, com a época em andamento. Acredito que Bruno de Carvalho pense que Jorge Jesus é o treinador ideal, mas, como é evidente, não pode estar satisfeito com a qualidade demonstrada pelo plantel após o avultado investimento que foi feito. A altura não é para mandar recados para dentro, nomeadamente quando a janela de transferências está aberta - ou seja, há oportunidade para agir -, pelo que, definitivamente, não era altura para que o adepto que existe dentro do presidente tomasse conta do discurso. A altura é para contribuir em tudo o que for possível para recuperar a confiança perdida - já todos vimos que esta equipa pode jogar muito mais do que o que tem rendido nos últimos dois meses. Bruno de Carvalho manteve uma linha de raciocínio coerente e otimista naquele que era o tema mais delicado da entrevista, pelo que esteve muito bem.