sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Sobre a segunda dívida mais alta da Europa

A UEFA divulgou ontem um relatório bastante amplo, onde se exploram várias temáticas e tendências das ligas e clubes europeus. Um dos quadros apresentados mostra os clubes mais endividados: à cabeça está o Manchester United, e logo a seguir está o Benfica.


Já se sabia que o endividamento bancário e obrigacionista do Benfica é o mais elevado de entre todos os clubes portugueses, mas confesso que não esperava que fosse tão elevado em comparação com todas as outras ligas europeias.

Ao longo das últimas épocas, Luís Filipe Vieira tem batido várias vezes nesta tecla. Lembro-me de várias declarações suas (e de outros elementos da sua direção) em que foi prometido uma redução gradual do passivo e do endividamento. No entanto, os anos vão passando e não se vislumbra nenhuma ação real nesse sentido.

Em teoria, não é por falta de capacidade financeira que não se reduz a dívida. O Benfica vai em três épocas consecutivas com lucros. Em 2013/14, 2014/15 e 2015/16, o Benfica apresentou resultados positivos de, respetivamente, 14M, 7,1M e 20,4M, o que dá um total de 41,5 milhões de euros. No entanto, neste mesmo período, o endividamento bancário e obrigacionista não baixou. Pelo contrário, aumentou... quase 29 milhões de euros: subiu 36M em 2013/14, diminuiu 6M em 2014/15, e diminuiu apenas 1M em 2015/16.

Na minha opinião, existem dois fatores principais que ajudam a explicar por que razão o Benfica não reduz a dívida, apesar dos anos consecutivos a apresentar lucros. 


1. Mendilhões não pagam dívidas

O Benfica entregou-se às mãos de Mendes. Dos negócios de maior valor, são poucos ou nenhuns aqueles que não passam pelas mãos do empresário. Vendas como as de Ivan Cavaleiro, André Gomes, Bernardo Silva ou João Cancelo, realizadas na altura por valores completamente desfasados da cotação real dos atletas, e exclusivamente para clubes que estão dentro da esfera de influência de Mendes, ajudaram a compor a contabilidade do clube. Mas será que ajudaram a compor, na mesma medida, as necessidades de tesouraria? Será que todo o dinheiro inscrito nesses contratos acabou realmente por circular entre os clubes? Tenho muitas dúvidas que isso tenha acontecido.

Aliás, é curioso ver que os quatro grandes clientes de Mendes - Benfica, Valência, Atlético Madrid e Monaco - estão presentes na tabela dos vinte clubes mais endividados. São, respetivamente, a maior dívida de clubes portugueses, as duas maiores dívidas de clubes espanhóis, e a segunda maior dívida de clubes franceses. Simples coincidência, ou haverá algo mais?


2. Vieira não está realmente interessado em abater a dívida e, consequentemente, o passivo

Isto não é uma crítica, é apenas uma constatação. É a ideia com que fico ao analisar o discurso e as ações do presidente benfiquista. Apesar de Vieira já ter dito, em variadíssimas ocasiões, que o passivo é para se ir abatendo, e apesar de o Benfica ser um dos clubes do mundo que mais vendas realizaram nos últimos cinco anos, essa promessa ainda não se concretizou de forma palpável.

Acho normal que a SAD opte por usar parte dos lucros para investir em novas infraestruturas, no reforço da estrutura ou da equipa de futebol. A redução da dívida não é a primeira prioridade de nenhum clube do mundo. Mas basta ler as declarações de Vieira nas entrevistas que vai concedendo para se perceber que a redução do passivo e do endividamento está muito, muito longe do topo das suas prioridades, apesar das promessas que vai fazendo. O Benfica não tem um passivo mais reduzido porque, muito simplesmente, o seu presidente não quer.

Assim de repente, lembro-me de ler que Vieira quer construir (ou já construiu) um lounge VIP, mais não-sei-quantos relvados no Seixal, um centro de alto rendimento, um simulador de futebol, ampliação do número de camas no Seixal, um polo de ensino secundário, um polo de ensino universitário, uma casa do atleta, uma rádio, uma residência sénior e um hotel temático na baixa de Lisboa. Tudo projetos tão dispendiosos quanto ambiciosos, de maior ou menor utilidade, alguns dos quais fogem completamente ao que é o core business do Benfica - com todos os riscos que isso implica -, e em que nem todos são auto-sustentáveis financeiramente - não é só o que custa a construir, é também o que custará a manter daí para a frente. E depois destas obras estarem concluídas, outras certamente se seguirão.

Mais ou menos acertada (isso cabe aos benfiquistas avaliar), a política de betão de Vieira faz parte de uma agenda (ou filosofia, se preferirem) que o próprio nunca escondeu, mas que não facilita, de modo algum, a redução efetiva da dívida. De qualquer forma, no final desta época, os seguidores mais crentes do presidente benfiquista terão uma boa oportunidade para perceber até que ponto a redução do passivo é mesmo para se concretizar: aquando da assinatura do contrato com a NOS, Vieira disse o seguinte ao Expresso (LINK): 
"Há 12 anos, tivemos de ‘salvar’ o clube. Depois, foi necessário criar infraestruturas, o que obrigou a criar dívida. Apostou-se no projeto desportivo, e agora chegou o momento de amortizar a dívida. Seguramente que pelo menos parte substancial deste contrato será para reduzir passivo."

Olhando para as receitas operacionais (excluindo atletas) e para as vendas de jogadores que se perspetivam no horizonte (partindo do pressuposto que não serão em mendilhões), o Benfica tem todas as condições para abater a sua dívida. Se o irá ou não fazer, só Vieira saberá.