Bruno de Carvalho deu uma entrevista à Bloomberg onde abordou dois tópicos da atualidade extremamente sensíveis: a podridão que se consegue depreender dos emails do Benfica (e não só), e o dinheiro das transferências que sai do futebol para os bolsos de comissionistas e oportunistas. O primeiro tem sido tema central nos últimos tempos, pelo que me vou debruçar no segundo.
O futebol português está carregado de indícios de que há demasiado dinheiro a sair de circulação sem que as autoridades demonstrem qualquer tipo de preocupação em investigar o destino desses desvios. Infelizmente, também não há qualquer interesse por parte da imprensa desportiva em analisar de forma séria este caso. Mas não é por falta de oportunidade. Temos dois dos clubes que, ao longo da última década, mais faturaram a nível mundial, e que, em simultâneo, gastam dinheiro nas transferências mais estapafúrdias que se possa imaginar: os sul-americanos e africanos que vão parar à equipa B do Porto com cláusulas absurdas, os Jovics e Saponjics que apenas servem para rechear bolsos de empresários, para não falar dos Franciscos Veras da vida. Olhando para o estado das contas e para a forma como certas personagens se movimentam no mercado, já todos perceberam que o panorama financeiro está longe de ser tão fulgurante como se tenta fazer crer. Há muito dinheiro que não está onde se pensa que está.
Bruno de Carvalho já percebeu como funcionam as coisas cá dentro. As instituições nacionais, por respeitarem demasiado o status quo - heranças do salazarismo? -, não mexem uma palha para mudar aquilo que tem de ser mudado. Exemplos, temos vários: presidente do Sporting à parte, não houve em Portugal uma única voz anti-fundos, até lá fora terem decidido acabar com eles; e o mesmo se aplica ao VAR, cujas virtudes só começaram a ser mencionadas por cá depois de a sua implementação estar consumada.
Como tal, a estratégia de Bruno de Carvalho em falar para os media internacionais é inteligente. Nem foi preciso entrar em demasiados pormenores, porque o essencial é que o tema comece a ser debatido lá fora. As forças que são colocadas em causa na peça da Bloomberg dizem respeito a atores demasiado poderosos, com laços demasiado estreitos com aqueles que, por cá, deveriam fazer o imprescindível escrutínio. É bem provável que o presidente apareça, em breve, a falar para outros órgãos de comunicação social estrangeiros.
É certo que a FIFA já lançou umas medidas para regular as finanças dos clubes e a atividade dos agentes e intermediários, mas também já todos perceberam que ficaram muito aquém das necessidades. O Financial Fair Play tem uma eficácia discutível, pois, nos moldes atuais, pouco pode fazer contra clubes que decidam recorrer a formas mais criativas de mascarar contas deficitárias. E as guidelines para a atuação dos agentes tiveram um resultado ainda mais inócuo. Mas parece-me que é uma questão de tempo até começarem a ser estudadas e aplicadas outro tipo de medidas. O futebol começa a gerar montantes de faturação demasiado altos para se manter um nível de fiscalização tão pequeno como aquele que existe atualmente. As mudanças poderão não aparecer agora, ou nem sequer no próximo ano ou dois, mas são inevitáveis.
A quem diz que esta postura de Bruno de Carvalho é autodestrutiva e não passa de uma espécie de política de terra queimada... basta olhar com olhos de ver para perceber que o solo está esturricado há muito tempo.