sábado, 26 de agosto de 2017

Há uma geração rasca no nosso futebol

Na passada quinta-feira, Nuno Saraiva revelou a existência de uma troca de mensagens entre Bruno de Carvalho e Vítor Serpa, que, segundo o diretor de comunicação do Sporting, terá estado na origem do ataque cerrado que o jornal A Bola fez ao presidente do clube.










Que não haja quaisquer dúvidas: o jornal A Bola fez um ataque cerrado a Bruno de Carvalho, usando, como pretexto, a recente suspensão do presidente leonino. Basicamente, a linha editorial do jornal iniciou uma campanha de limpeza do futebol português, apelando a penas exemplares para punir comportamentos considerados incorretos ou ofensivos - como se isso fosse um fenómeno recém-chegado ao futebol português.

Recapitulando: o jornal deu, com naturalidade, destaque de capa à suspensão de Bruno de Carvalho e Carlos Pinho no dia seguinte à suspensão:


Até aqui, tudo normal. Mas, no dia seguinte, o jornal voltou à carga, com um destaque desmesurado e embrulhado no tom mais sensacionalista possível. TODA A VERDADE.


Nesse mesmo dia, José Manuel Delgado dedicou o seu editorial a este caso, pedindo, de forma genérica, penas duras a quem caia neste tipo de comportamentos.

Delgado termina dizendo que a justiça não pode olhar a cores... Hipocrisia máxima de alguém que nunca se revolta quando os comportamentos incorretos partem de representantes de uma determinada cor. Ainda estou à espera pela sua condenação à promiscuidade existente entre dirigentes do Benfica e árbitros e delegados da Liga, por exemplo.

Mas no dia seguinte, Vítor Serpa conseguiu subir a fasquia: dedicou meia página do seu espaço de opinião de sábado à geração rasca do futebol português. O visado, como todos sabemos, era uma pessoa em particular. A fotografia escolhida não deixa margem para dúvidas.


Reparem que em ambos os espaços de opinião, os jornalistas não referem a existência de qualquer atenuante ao comportamento de Bruno de Carvalho. O presidente do Sporting estava em sua casa e foi provocado de forma totalmente inesperada e agressiva por Carlos Pinho, e, aparentemente, estava obrigado a dar a outra face enquanto o presidente do Arouca dizia e fazia o que queria.

Destaco também aquilo que Serpa escreveu na coluna mais à direita: "Haverá certamente quem defenda que a linguagem do desporto de competição (...) é uma linguagem crua, desprovida de preocupações éticas e sociais. Mas não é a mesma coisa a linguagem de cabina (...) e a linguagem em zona pública (...)". Fiquem com isto guardado na memória, porque será útil daqui a pouco.

Curiosamente, não foi preciso esperar muito para assistir a uma situação de comportamento incorreto por parte de uma figura do futebol português: Jorge Sousa, no passado domingo, abusou da sua posição para se dirigir de forma inapropriada e intimidatória a um jogador do Sporting B.

Considerando que o jornal A Bola se posicionara, apenas dois dias antes, na vanguarda da luta contra este tipo de ações - socialmente perigosas, para usar as palavras de Serpa -, seria de esperar que aproveitassem o caso de Jorge Sousa para enfatizar a sua posição sobre o assunto. Mas, olhando para as edições do jornal A Bola desta semana, Vítor Serpa, que tão enfático foi ao criticar Bruno de Carvalho no dia anterior ao momento infeliz de Jorge Sousa, conseguiu ignorar olimpicamente as palavras do árbitro nos dois editoriais que assinou esta semana.

Justiça seja feita a José Manuel Delgado, que abordou o tema no seu editorial de quarta-feita. Obviamente que, por uma questão de coerência, esperar-se-ia que o subdiretor do jornal A Bola desse continuidade à política de 'Dura lex sed lex' que defendeu para Bruno de Carvalho, e defendesse também uma pena exemplar para Jorge Sousa. No entanto, aquilo que escreveu foi isto:


Atenuantes, neste caso, parecem existir aos molhos, começando pela inovadora teoria de que Jorge Sousa também foi vítima por ter tido o azar de haver um microfone que apanhou as suas palavras em direto. Isto é magnífico: se seguirmos esta linha de raciocínio, qualquer criminoso pode alegar ser vítima se for tramado por qualquer prova obtida através de um meio inesperado, como uma filmagem de telemóvel de um traseunte ou uma câmara de controlo de trânsito. Tivesse cometido o crime noutro local e não se teria tramado, pelo que, para José Manuel Delgado, seria tanto vítima como vilão.

De notar também que, no caso de Jorge Sousa, a cultura existente no futebol é uma atenuante. Serpa, referindo-se a Bruno de Carvalho, condena a "linguagem crua" por ter sido proferida num local público. Delgado não quer saber se o "Põe-te na p**a da baliza, pá" foi dito no recato da cabine ou num local público. Neste caso, a linguagem usada já é uma coisa que deve ser encarada com naturalidade. A culpa é do microfone da Sport TV.

De relembrar que todas as opiniões colocadas atrás foram escritas pelos diretores do mesmo jornal no espaço de menos de uma semana.

Tenho que concordar com Serpa numa coisa: há uma geração rasca no nosso futebol, mas não é a de Bruno de Carvalho, que chegou, figurativamente falando, há um par de dias a esta indústria. Há uma outra geração - que já anda nisto há várias décadas - que foi, essa sim, a principal responsável pelo lodaçal em que se transformou o futebol português. A geração que criou os quinhentinhos e o café com leite, a geração que ordenou os padres e adotou meninos queridos, a geração que arrasou a credibilidade do jornalismo desportivo, reduzindo-o a pouco mais que folhetins de propaganda oficiosa de certos clubes, a geração que se recusa a investigar o que tem de ser investigado, a geração que tudo faz para manter o status quo, mesmo que esteja esse status quo esteja assente num conjunto de perversidades que deveriam fazer corar de vergonha qualquer pessoa com a espinha no lugar.