Há coisa de um ano, um programa de investigação de um canal televisivo do Paraguai fez uma reportagem sobre o estranho caso de Francisco Vera, um jogador por quem o Benfica pagou 2,8 milhões de euros.
A transferência foi surpreendente: falamos de um jogador que, quando foi contratado pelo Benfica em 2015, era um desconhecido no próprio país. Tinha 21 anos, mas que não era internacional A, nem sequer internacional Sub-20 pela seleção do Paraguai. Começou a jogar muito novo no Rubio Ñu, mas ao longo dos anos foi perdendo gás. Quando foi contratado pelo Benfica, Vera vinha de uma época em que tinha sido titular em apenas 5 jogos, apesar de a concorrência não ser forte: o Rubio Ñu é um modesto clube de 2ª metade da tabela do campeonato paraguaio que, no século XXI, nunca conseguiu melhor que um 7º lugar (a primeira divisão paraguaia tem apenas 12 clubes).
Apesar disto, o Benfica achou interessante pagar quase 3 milhões de euros pelo seu passe, pulverizando o anterior recorde de uma venda do clube paraguaio, que era de 1 milhão de euros. O Transfermarkt avaliava Vera, na altura, em 25.000€.
A reportagem paraguaia apontava para indícios de lavagem de dinheiro e evasão fiscal na transação, em que, de um lado, um clube que faturava um valor totalmente irrealista e que podia ser aproveitado para legitimar dinheiro de outras atividades ilegais e, do outro, se podia colocar nas contas uma transação inexistente que, reduzindo os lucros, permite diminuir o valor de imposto a pagar ao Estado.
Outro fator estranho neste caso é que, no momento em que a reportagem foi feita, Francisco Vera estava sem clube e parecia não ter perspetivas de continuar a carreira - algo que se pode considerar estranho, já que se tratava de um ativo com um valor não negligenciável. Uns dias depois de a reportagem ser emitida, no entanto, lá se encontrou um clube paraq o jogador: o Benfica emprestou Vera ao CA Fenix, um clube de meio da tabela da primeira divisão uruguaia que está assinalado como um paraíso fiscal desportivo que ajuda os emblemas europeus a cometerem fraudes fiscais.
Quem quiser ler mais sobre o assunto:
- A reportagem: LINK
- Outros detalhes da transação: LINK
- Dissertação sobre as acusações: LINK
- O empréstimo ao CA Fenix: LINK
- As movimentações estratégicas do Benfica: LINK
Um ano depois da polémica ter rebentado, o que é feito de Francisco Vera?
Bem, conforme seria de esperar, não teve uma passagem feliz pelo CA Fenix. Fez meia dezena de jogos, mas rapidamente saiu da equipa. O último jogo oficial, segundo o Transfermarkt data de 1 de outubro de 2016.
No entanto, apesar da parca utilização no Uruguai, a verdade é que o jogador continuou a despertar cobiça: segundo o Transfermarkt, poucos dias após a abertura do mercado de inverno, o Benfica terá recebido uma oferta de 1,5 milhões de euros pela sua contratação. Nada mau para um jogador que, 4 meses antes, teve visíveis dificuldades em encontrar um rumo para a sua carreira.
E que clube foi esse que apareceu? O Rubio Ñu. Voltou à casa de partida.
A base de dados do Transfermarkt não é muito completo no que toca a clubes paraguaios do meio da tabela, pelo que há que colocar as devidas reservas. Tendo isso em mente, e olhando para as maiores transferências na história do Rubio Ñu, vemos que os 1,5 milhões gastos representam um novo recorde, que supera a 2ª maior transferência da história do clube em... 1,5 milhões.
Apesar dos montantes alegadamente envolvidos, não se pode dizer que o seu regresso tenha tido grande pompa. Na conta de Facebook do clube, foram vários os jogadores contratados que tiveram direito a uma publicação de apresentação, mas Vera não teve direito a tal destaque. A única referência que há ao atleta nas contas de Twitter e Facebook é no meio do resumo das contratações desse período:
Desportivamente, as coisas não correram bem: Vera não realizou qualquer jogo pela equipa principal do Rubio Ñu - participou em algumas partidas da equipa de reservas - e, poucos meses depois, no dia 20 de junho, o clube anunciou a dispensa daquela que terá sido a maior contratação da sua história.
No entanto, alguma coisa se terá passado, pois, no mesmo dia:
Gostava de saber o motivo que levou o clube a mudar de ideias tão rapidamente...
Desde então, segundo os registos que encontrei, Vera participou em jogos de pré-época mas continua sem somar um único minuto em jogos oficiais. A conta de Instagram do jogador tem tido atividade, mas não há nada relacionado com futebol. Colocou apenas fotografias da família e um post de publicidade à sua loja de artigos desportivos.
Ou seja, a novela, que desde o seu início está recheada de episódios muito estranhos, continua a não desiludir.
P.S.: não que possa ter alguma coisa a ver, mas não deixa de ser curioso:
"Obras son amores!" podia bem ser o slogan de vida de um determinado presidente de clube que eu cá sei.