terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

O eufemismo do ano: "interpretação desajustada"

O Conselho de Arbitragem emitiu ontem um comunicado para esclarecer a polémica do golo anulado a Doumbia no Sporting - Feirense:


Saúda-se a preocupação da FPF em esclarecer o público sobre qual a decisão que deveria ter sido tomada, mas, por outro lado, não se entende o pudor que leva o CA a não dizer concretamente a que lance se refere. Toda a gente percebe que é do golo de Doumbia que se está a falar. Há algum motivo lógico para não o indicarem explicitamente?


O esclarecimento dado sobre o que é a fase de ataque é muito importante, mas mais uma vez não faz qualquer sentido o público ser informado apenas agora disto. Tendo havido um "esclarecimento recente aos árbitros portugueses" (quão recente? semanas? meses?), significa que andámos todos desinformados em relação ao âmbito da intervenção do videoárbitro - o que tem sido transmitido e debatido publicamente é que a análise do VAR pode recuar até ao momento em que a equipa que marcou o golo recuperou a posse de bola. Esta omissão por parte da FPF é um péssimo serviço prestado ao futebol: que sentido faz manterem adeptos, jornalistas e comentadores alheados das indicações que os árbitros devem seguir?

Ora, segundo este comunicado, a fase de ataque pode ser bem mais curta do que o período que compreende o momento em que a equipa recuperou a posse de bola e o momento em que marcou golo: basta que uma equipa deixe de procurar rapidamente a baliza adversária para acabar uma fase de ataque e iniciar outra. O conceito parece-me fazer sentido, pois é consistente com o espírito que rege o VAR nos lances do golo: eliminar erros grosseiros com impacto elevado no desfecho da jogada. Faz particularmente sentido quando há equipas como o Barcelona que mantêm a posse de bola durante períodos prolongadíssimos até atacarem a baliza - não faz sentido recuar-se um, dois ou três minutos à procura de uma falta. No entanto, esta definição de fase de ataque traz um novo tipo de problema: insere mais um nível de subjetividade, porque nem sempre um passe para trás implica uma interrupção numa fase de ataque.

Mas, centrando no que é essencial: descrever o erro de Manuel Oliveira como "interpretação desajustada" é estar a brincar com as pessoas. Interpretação desajustada pode acontecer em situações de subjetividade, o que não é definitivamente o caso em questão. Aliás, à luz desta nova definição, o erro de Manuel Oliveira é ainda mais gritante. É impossível não ter sido deliberado, pelo que é imperativo que existam consequências para o árbitro. Aquilo que se passou no domingo tem de ser investigado e punido em conformidade. Não pode haver lugar a qualquer tomada de posição corporativista, pois, a bem da reputação da classe, os árbitros flagrantemente desonestos e incompetentes não podem continuar a ser defendidos. Manuel Oliveira simplesmente não pode continuar a apitar jogos de futebol.

P.S.: já agora, não é apenas Manuel Oliveira que está a precisar de uma reciclagem profunda de conhecimentos. Pouco depois do final do jogo, Nuno Sousa, comentador da RTP 3, fez o seguinte comentário ao lance do golo de Doumbia:


O lance é bem invalidado. O Sporting não se pode queixar, até porque foi um dos defensores públicos do videoárbitro. O Sporting só se pode queixar de si próprio. Sinceramente, ouço este discurso e imagino Carlos Janela sentado em frente à televisão a bater palmas de aprovação.