As figuras mais mediáticas da Operação Lex são, indiscutivelmente, Rui Rangel e Luís Filipe Vieira. O primeiro por ser uma pessoa que, alegadamente, usa do enorme poder que o seu cargo lhe confere para influenciar o desfecho de processos judiciais em favor daqueles que lhe paguem ou lhe prometam outro tipo de contrapartidas. O segundo por ser presidente do Benfica, mesmo sabendo-se que o caso de tráfico de influências / corrupção de que é suspeito nada ter a ver com a sua atividade enquanto líder do clube. Isto significa que, apesar de serem duas figuras reconhecidamente ligadas ao Benfica - Rangel já foi candidato à presidência -, é legítimo que se diga que este caso não tenha nada a ver com o clube.
No entanto, é impossível ignorar que existe uma ligação demasiado estreita entre muitas das figuras apanhadas nesta teia e o Benfica. O processo tem, até ver, 13 arguidos, e uma 14ª pessoa que, não sendo arguida neste processo em concreto, está fortemente envolvida. Dos 14 implicados, é amplamente conhecida a ligação de 5 deles ao Benfica:
1. Rui Rangel: ex-candidato a presidente do Benfica e membro da Comissão de Honra da candidatura de Vieira em 2016. Arguido. Não pode (por enquanto) ser detido por ser juiz. Foi ontem suspenso pelo Conselho Superior de Magistratura.
2. Luís Filipe Vieira: presidente do Benfica. Diz-se que há escutas em que se prova ter oferecido cargos no Benfica em troco de uma decisão favorável num processo respeitante ao seu filho. Arguido com termo de identidade e residência.
3. Fernando Tavares: vice-presidente do Benfica, tendo a seu cargo o pelouro das modalidades. Amigo próximo de Rangel. É também suspeito do crime de tráfico de influências. Arguido com termo de identidade e residência.
4. João Rodrigues: antigo presidente da FPF, foi apanhado nas escutas do Apito Dourado a servir de intermediário entre Vieira e Pinto de Sousa, na altura presidente do Conselho de Arbitragem, para a escolha de árbitros para os jogos do Benfica. Aparece na Operação Lex como suspeito de tráfico de influências. Arguido com termo de identidade e residência.
5. José Veiga: antigo diretor de futebol do Benfica, foi um dos homens de confiança de Vieira durante vários anos. Não é arguido neste caso em concreto - está em prisão preventiva no âmbito do processo Rota do Atlântico, de onde teve origem a Operação Lex - mas é uma das pessoas apanhadas a pedir a Rangel para influenciar processos judiciais, um dos quais para prejudicar o Sporting.
Octávio Correia, o sexto elemento
Há, no entanto, uma outra figura envolvida neste processo que, sendo desconhecida do grande público, tem ligações fortes com o mundo do futebol e, em particular, com o Benfica. Refiro-me a Octávio Correia, o oficial de justiça que, alegadamente, viciava os sorteios do Tribunal de Relação para atribuir determinados processos a Rui Rangel. Octávio Correia é um dos cinco detidos da Operação Lex.
Octávio Correia foi delegado da Liga durante as épocas 2009/10 e 2010/11. Sobre esta personagem, há muito para dizer. Para começar, transcrevo o que Bernardino Barros revelou na quinta-feira no site Batalha1983 (LINK):
No “Caso LEX”, um dos detidos e já presente a interrogatório, foi o escrivão da 9ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, de seu nome Octávio Correia.
Este senhor foi, em tempos, delegado da Liga (nas épocas 2009/10 e 2010/11) tendo sido suspenso (internamente) por não cumprir com os regulamentos internos – por exemplo, não relatando factos presenciados nos terrenos de jogo. Por esses motivos, levou um aviso no início da época 2010/11; mas, a reincidência, no dia 17 de Abril de 2011, no jogo 12706 (benfica vs. Beira Mar), conduziu a que o Coordenador do Delegados o suspendesse por um mês e não o convidasse a integrar o quadro de delegados na época seguinte.
Recorde-se que, no dia 17 de Abril de 2011, o sr. Octávio Correia era o delegado no terreno, tendo omitido os insultos que Rui Costa (o da estrutura encarnada) dirigiu, no final do encontro, a Elmano Santos, o árbitro da partida, levando a que o delegado principal, situado no camarote, tivesse problemas por o assunto não ter sido reportado no relatório final…
Portanto, estamos perante mais um caso em que um delegado omitiu, de forma muito conveniente, factos que poderiam implicar castigos para um dirigente do Benfica. Na prática, uma situação semelhante a uma outra revelada pelos emails: a oferta de bilhetes do jogo do título de 2015/16 de Paulo Gonçalves a Simões Dias, um ex-delegado que, em 2008, foi suspenso por ter falsificado um relatório de forma a omitir insultos de Nuno Gomes e do próprio Paulo Gonçalves ao árbitro Pedro Henriques. No email, Paulo Gonçalves justificava a oferta dos bilhetes a Simões Dias da seguinte forma: "Com essa omissão safou-me a mim e ao Nuno Gomes de uma sanção, mas lixou-se."
Voltando a Octávio Correia, não há registos que tenha sido presenteado com convites para ver jogos do Benfica em honra... mas fez isto no dia 16 de março de 2010:
Portanto, o que temos aqui é um delegado em funções a pedir bilhetes a Paulo Gonçalves para um juiz desembargador. E note-se que este Benfica - Braga não era um jogo qualquer: era apenas o jogo do título.
Classificação do campeonato 2009/10 no momento em que se realizou o Benfica - Braga |
Falamos, portanto, de um pedido de favor especial, já que a procura de bilhetes para este jogo foi enorme. O Benfica venceria o Braga por 1-0 e aumentaria a vantagem para 6 pontos, almofada essa que viria a revelar-se decisiva para recuperar um título que lhe fugia há 5 épocas.
Repito: Octávio Correia era, à data, um delegado da Liga em funções. Consultando o arquivo da Liga podem ver que Octávio Correia tinha sido delegado a um jogo disputado 9 dias antes deste email: LINK. Mais um exemplo de promiscuidade que, a meu ver, configura mais um caso de tráfico de influências. Considerando isto e as acusações que recaem agora sobre Octávio Correia, ficamos conversados em relação ao seu carácter moral.
Claro que isto tudo já são ocorrências com quase oito anos, mas desenganem-se aqueles que pensam que a ligação entre Octávio Correia e o Benfica pode ter esfriado ao longo do tempo. Bem mais recentemente, em outubro de 2016, Octávio Correia foi um dos convidados para o jantar de encerramento da campanha presidencial de Luís Filipe Vieira:
No ficheiro está identificado tal como podem ver: OCTAVIO (TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA). Para que não haja dúvidas de que falamos da mesma pessoa, podem confirmar neste LINK (quadro de funcionários do Tribunal de Lisboa) que existe apenas um Octávio.
Creio que também ficamos conversados em relação ao nível de proximidade entre Vieira e Octávio Correia. E chamo a atenção para o pormenor que não foi identificado nem pelo nome e apelido, nem como OCTAVIO (EX-DELEGADO DA LIGA). Foi mesmo como OCTAVIO (TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA). Porque será?
Curiosamente, entre os convidados a este jantar podemos encontrar também os nomes de Rui Rangel...
... e de Jorge Barroso...
... que é outro dos cinco detidos da Operação Lex. Jorge Barroso é o advogado de Luís Filipe Vieira na área do imobilário, e, segundo a imprensa, terá sido apanhado em escutas a servir de intermediário entre Vieira e Rangel para a "compra" da influência do juiz.
Fonte: DN |
Para um processo que, segundo nos dizem, nada tem a ver com o Benfica, não deixa de haver demasiados pontos de contacto. Veremos se não aparecerão outras surpresas num futuro mais ou menos próximo.