quinta-feira, 3 de maio de 2018

Perdoa-me!

Com o anúncio da alteração das condições de recompra das VMOCs regressaram os lamentos sobre o facto de um banco intervencionado pelo Estado ter perdoado uma dívida significativa a um clube de futebol. A conversa não é nova: já se arrasta desde que a reestruturação financeira assinada entre o Sporting e os seus principais credores entrou em vigor em 2014.

Perdão em 2014 e novo perdão agora em 2018? Não. Na realidade, não existe perdão nenhum enquanto o Sporting não recomprar as VMOCs ou enquanto estas não forem convertidas em ações. Até lá, é apenas um acordo em que o Sporting se compromete a fazer reembolsos obrigatórios em função de determinados tipos de receitas que for obtendo, em contrapartida de taxas de juro médias favoráveis e garantia de extensão dos prazos de reembolso. Mas uma vez concretizando-se o objeto final do acordo - a recompra das VMOCs por parte do clube -, não há dúvida de que as contrapartidas que o Sporting obteve na reestruturação de 2014 e nesta renegociação são, de uma forma global, muito superiores às que cedeu aos seus parceiros. E aí aceitarei que se fale em perdão de dívida.

Não é assim tão complicado perceber a ideia da banca ao assinar um acordo destes. Hoje, os bancos não têm qualquer interesse em ficar acionistas de SADs, preferindo fechar este problema rapidamente recuperando o valor que consideram possível. Em 2013, viam-se na perspetiva de perderem as centenas de milhões de euros empatados em empréstimos concedidos à SAD e clube, e, como tal, aceitaram comprar as VMOCs e garantir taxas de juro suportáveis na perspetiva de viabilizarem a sobrevivência do Sporting - seria sempre melhor recuperarem alguma coisa do que perderem tudo e ainda ficarem com ativos inúteis (estádio) e dispendiosos de manter. Em 2018, face à rápida melhoria financeira do Sporting, decidiram que era melhor abdicar de qualquer futura participação na SAD em troca de um retorno mais imediato dos milhões possíveis - quer das VMOCs, quer dos empréstimos bancários que o Sporting ainda mantém.

Não estou a dizer que o acordo é bom para a banca. É provável, no entanto, que seja o melhor acordo possível para a banca atendendo à reestruturação assinada em função da realidade que se vivia em 2014 e à evolução que registou até 2018.

Enquanto contribuinte, é óbvio que não me agrada ver bancos intervencionados a assumirem prejuízos atrás de prejuízos. Percebo, por isso, que os adeptos rivais se sintam revoltados com este acordo - apesar de se dispensar o rasgar de vestes, considerando as benesses que têm obtido de várias câmaras municipais em centros de estágio e outro tipo de equipamentos desportivos, para além de todo o tipo de isenções milionárias. 

Enquanto sportinguista vejo isto como o resultado de uma grande trabalho de negociação por parte da direção do clube. Num contexto de grande desvantagem negocial, Bruno de Carvalho e a sua equipa souberam defender os interesses do Sporting explorando de forma exemplar as debilidades que existiam do outro lado.

Na prática, e juntando a reestruturação financeira com a recente renegociação, o Sporting aceitou acelerar o reembolso à banca - mas, ainda assim, num ritmo relativamente moderado - em troca de uma redução real de dívida que, no total, poderá atingir os 94,5 milhões de euros. Não sei o que estará o Porto a fazer para reestruturar a sua dívida, mas já sabemos o que fez o Benfica: aceitou reembolsar de imediato a quase totalidade da dívida bancária recorrendo à antecipação das receitas do contrato da NOS... sem aparentes contrapartidas para a SAD. Eventualmente o Benfica conseguirá taxas de juro um pouco mais favoráveis (o que ainda está por provar, sendo necessário esperar pelos próximos R&C para confirmar essa tese) mas não se livra do pagamento de uma valente comissão pelo factoring obtido sobre o contrato da NOS para pagar aos bancos. Sabe a pouco, considerando que o Benfica tinha do seu lado o Midas e Domingos Soares Oliveira, o guru da gestão. É que, para além dos bancos, a única entidade que vejo a sair bem deste acordo do Benfica... é o grupo empresarial de Luís Filipe Vieira, que continua endividado na casa das largas centenas de milhões de euros sem ser forçado a pagar o quer que seja.

Perdão? OK, quando as VMOCs forem recompradas, terão motivos para falar em perdão de dívida. Ainda assim, é um perdão obtido pela força da negociação entre entidades privadas, o que não tem nada de ilegal. Tal como não teria sido ilegal caso os vossos dirigentes procurassem acordos que defendessem os interesses dos vossos clubes. Por exemplo: perante a perspetiva de antecipar receitas do contrato da NOS, o que impediu Vieira de propor à banca algo como "meus amigos: o Benfica reembolsa-vos 100 milhões na próxima semana se perdoarem 10 milhões à dívida da SAD"? Duvido muito que a banca não aceitasse de caras um acordo nestes termos, pelo que, se calhar, em vez de estarem a gritar PERDÃO!!!, fariam melhor em questionar os vossos dirigentes por que razão não tentaram fazer uma saída semelhante. Bem, na realidade, se calhar até tentaram e conseguiram, mas com outros beneficiários.