quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Revoltas seletivas

Jornalistas. Comentadores. Treinadores. Ex-treinadores convertidos em pilotos de rally. Dirigentes de associações de treinadores. Praticamente uma semana após o consumar do facto, continua a aumentar a lista de personalidades ligadas ao mundo de futebol que reagem de forma chocada/indignada/estupefacção ao despedimento de José Peseiro do Sporting. Aguarda-se a todo o momento o comentário do presidente Marcelo Rebelo de Sousa sobre o assunto.

Perante tamanha revolta, qualquer pessoa que desconheça os detalhes desta novela deve ficar a pensar que se está a falar de um treinador reconhecido consensualmente como uma referência internacional e que os maiores emblemas nacionais e continentais se acotovelarão para conseguir garantir os seus préstimos. Certamente que não iriam suspeitar de que se falade alguém que tem falhado rotundamente em todos os clubes por onde tem passado.

Os argumentos utilizados por estes sábios andam todos à volta do mesmo. Que Peseiro pegou no Sporting quando mais ninguém o queria fazer. Que tinha em mãos um plantel desfeito e dispôs de meios limitados para o reforçar. E que deixou o Sporting na luta por todas as competições. Nada disto corresponde inteiramente à verdade, sendo que por vezes a forma como alguns defendem Peseiro chega a ser aberrante. 

Havia outros treinadores - superiores, na minha opinião - disponíveis para assumir o cargo no verão, mas no momento da verdade a recomendação de Jorge Mendes pesou decisivamente na decisão de Sousa Cintra. O plantel é desequilibrado, é verdade - sendo que Peseiro teve responsabilidades nisso -, mas continua a ter alguns dos melhores executantes da liga como Nani, Bruno Fernandes ou Mathieu, e, mesmo dentro desses desequílibrios, há qualidade mais que suficiente para fazer melhor figura contra a maior parte dos adversários que defrontou. Quanto ao clube estar na luta por todas as competições, devemos agradecer antes de mais ao número anormal de pontos que Porto e Benfica têm perdido para o campeonato. Na época passada, à 9ª jornada, o Porto tinha mais 4 pontos e o Benfica tinha mais 3 pontos.

Podia falar dos equívocos de Peseiro na formação e utilização do plantel. Podia falar na inabilidade comunicacional. Podia falar nas incompreensíveis teimosias de dar minutos a jogadores inúteis. Mas o que é realmente fundamental na avaliação da justiça do despedimento é a mediocridade exibicional que se observou sistematicamente, sem quaisquer perspetivas de evolução. Uma pessoa que veja o Sporting 2018/19 a jogar fica a questionar-se se os jogadores alguma vez treinaram juntos, tal é a incapacidade de entendimento que revelam em campo. Peseiro conseguiu a proeza de fazer com que o coletivo seja inferior à soma das individualidades, quando a sua tarefa e obrigação era alcançar precisamente o contrário.

Sabemos bem que se trata de uma revolta bastante seletiva. Sabemos bem que muitos dos que defendem Peseiro o fazem porque lhes dá jeito que o Sporting esteja em subrendimento - e esses não defenderão Rui Vitória caso o atual treinador do Benfica venha a ser substituído por Jorge Jesus.

Ao invés, até consigo compreender os críticos que reagiram em defesa de Peseiro por estarem formatados para defender a classe dos treinadores - que em Portugal são tradicionalmente o elo mais fraco, muitas vezes vítimas da incompetência de outros. Mas deviam refletir melhor, pois isso não se aplica a este caso. Independentemente do nível sucesso que o futuro treinador tenha, a decisão de despedir José Peseiro é totalmente acertada porque seria uma questão de pouco tempo (algumas semanas, um par de meses no máximo) para ficarmos fora da luta pelo campeonato.

O que faz mais sentido? Mudar enquanto ainda se vai a tempo de salvar uma época, ou esperar comodamente pelo desastre anunciado? A resposta é tão óbvia...