Toda a gente sabe que a liga portuguesa é uma competição que, nas últimas décadas, tem sido recorrentemente marcada por decisões incompreensíveis de arbitragem com impacto direto nos resultados de jogos e na definição de campeões. No entanto, esses erros sempre foram passando por entre os pingos da chuva. O leque de argumentos desculpabilizadores utilizado pelos comentadores da nossa praça é vasto e bem conhecido do adepto de futebol: que o árbitro é humano, que o erro faz parte do jogo, que são decisões que têm de ser tomadas em milésimos de segundo, terminando na habitual e aberrante conclusão de que, no final da época, os benefícios e prejuízos equilibram-se e ninguém tem reais razões de queixa.
Isto, obviamente, não se aplica às raras situações em que o Sporting é ostensivamente beneficiado. Aí os nossos especialistas descobrem que, afinal, os árbitros não têm a qualidade desejável, que o VAR não funciona, que o protocolo do VAR tem de ser revisto, que há erros que efetivamente podem mudar o rumo de um jogo. Ontem, quem teve o azar de seguir o jogo pela Sport TV, pôde voltar a viver essa experiência de forma bem intensa. "Um erro incompreensível", lamentava repetidamente o locutor de serviço durante os cinco minutos em que o jogo esteve parado. que rapidamente concluiu que o golo devia ter sido anulado e que devia ser assinalado penálti a favor do V. Guimarães. Um par de minutos depois de reatado o jogo, Luiz Phellype remata à barra e o locutor, em vez de falar na oportunidade desperdiçada ou no grande passe de Bruno Fernandes, preferia voltar a falar do erro do árbitro. Continuou a pisar e repisar o tema até que, já durante os descontos, recebeu a indicação que se calhar a falta tinha sido fora da área e que era possível que o V. Guimarães tivesse tido posse de bola entre o momento da falta e o momento do golo.
Tudo espremido, houve de facto um erro de Rui Costa: falta óbvia de Acuña que daria direito a um livre direto na quina da área a favor do V. Guimarães. O golo de Raphinha foi corretamente validado porque o VAR não podia intervir a partir do momento em que não houve penálti e em que houve mudança na posse de bola entre a falta e o golo. Ou seja, acaba por sobrar apenas mais uma sessão de indignação forçada que lá servirá para alimentar narrativas que conhecemos de gingeira.
Polémica à parte, foi uma bela tarde de futebol, com um estádio cheio que pôde assistir a um jogo de sentido único e sem grande história. Após 10 minutos de algum ascendente territorial visitante, o Sporting arrancou para uma exibição em que demonstrou uma superioridade clara, criando múltiplas ocasiões para marcar. Em vez de irmos para o intervalo com uma goleada, fomos apenas um golo marcado por Raphinha - fraca recompensa para a produção ofensiva da equipa que proporcionou quatro bolas nos ferros (Raphinha, Bruno Fernandes, e Luiz Phellype por duas vezes) e um punhado de boas intervenções de Miguel Silva. A história repetiu-se na segunda parte até ao golo de Luiz Phellype (boa finalização após mais uma boa jogada de Raphinha, numa jogada que começou num passe longo de Renan a solicitar o brasileiro na linha) que selou o marcador. A partir daí, a equipa limitou-se a gerir a vantagem até ao final sem quaisquer sobressaltos.
Destaque óbvio para Raphinha (um golo, uma assistência e uma constante dor de cabeça para a defesa adversária, na sua melhor exibição da época), Luiz Phellype (mais um golo, já vão 6 nos últimos 5 jogos do campeonato) e Bruno Fernandes (uma assistência), bem acompanhados por Wendel e Doumbia. De referir também o bom desempenho defensivo em mais um jogo em que voltámos a não conceder qualquer oportunidade ao adversário (nos últimos 7 jogos, o Sporting sofreu apenas 2 golos) e que ajudou a garantir um triunfo incontestável que aumenta a série de vitórias consecutivas para 9. Que no final da época sejam 13.
P.S.: no final do jogo, um indignado Júlio Mendes foi à sala de imprensa reclamar da arbitragem, dando sequência a uma bonita tradição que os presidentes de clubes minhotos fazem questão de implementar quando se deslocam a Alvalade. Pena que não tenha feito o mesmo, por exemplo, quando, em agosto, sofreu um golo em claro fora de jogo no Dragão, ou quando foi escandalosamente prejudicado em 15/16 por uma Xistralhada épica com múltiplos erros grosseiros a favorecer o Benfica (dois penáltis por assinalar a favor do V. Guimarães e duas expulsões perdoadas a Eliseu e Jardel). Nessa altura só falou 4 dias depois... para defender Sérgio Conceição. Sobre Xistra... só disse isto.
Coerência não é, definitivamente, o seu forte. Mas sejamos compreensivos: Júlio Mendes não terá tido um dia fácil: acabou com uma azia do tamanho de um camião.