No dia em que se conheceu a decisão da Câmara Municipal de Lisboa de comparticipar a construção de uma estátua de Cosme Damião, fundador do Benfica, o Porto (clube) não perdeu tempo a partilhar a sua indignação com o país.
Tão rápida foi a reação, que até acusaram injustamente o vereador José Sá Fernandes de ser o responsável, quando afinal nada tinha a ver com o assunto. Como qualquer instituição de boa fé, o Porto corrigiu o erro assim que se apercebeu. Acontece a todos.
No comunicado, intitulado "A estátua", o Porto alerta todos os contribuintes do país para este exemplo de má utilização de dinheiros públicos:
A Câmara Municipal de Lisboa aprovou a comparticipação na construção de uma estátua do fundador do Benfica. E desta forma continuamos, todos nós, os que gostam de futebol e os que não gostam, os que são do Benfica e os que não são, a pagar os devaneios da classe política.
Numa altura em que o país atravessa a mais grave crise das últimas décadas, em que se cortam salários e reformas baixíssimas, com o argumento que todos têm de contribuir para o esforço de recuperação das contas públicas, a Câmara Municipal de Lisboa decide fazer-nos a todos, ainda que indirectamente, pagar uma estátua do fundador de um clube.
Em causa não está tratar-se deste ou daquele clube, em causa não está uma qualquer associação entre uma câmara, ou outra entidade pública, num projecto que crie emprego, crie valor, mas sim o luxo de se continuar a gastar tão mal o dinheiro de todos nós.
Estou parcialmente de acordo com o Porto. Numa altura em que a população portuguesa passa por tempos de enorme sacrifício, custa ver dinheiro a ser gasto em coisas que não tenham uma utilidade indiscutível. Mas por outro lado, se há verba disponibilizada para este tipo de iniciativas, tanto faz que seja para uma estátua de Cosme Damião ou para um bebedouro para pássaros junto à Associação Nacional de Columbofilia. Não se pode cortar totalmente o investimento público, senão a retoma económica nunca mais aparece.
Mas já que o Porto escreveu este comunicado sobre o esbanjamento de dinheiros públicos, nunca é demais relembrar o Centro de Estágio do Olival, construído pela Câmara Municipal de Gaia para usufruto do clube de Pinto da Costa. Ao contrário dos exorbitantes €50.000 que a estátua de Cosme Damião vai custar ao contribuinte, o Centro de Estágio do Olival ficou-se por uns módicos €16.000.000. 16. Milhões. De euros. Não consta que o Porto tenha demonstrado semelhante indignação na altura.
É claro que o Porto está gradualmente a amortizar o investimento público no seu centro de estágios. Ao pagar uma renda de 500 euros por mês, daqui a 2667 anos o Porto terá devolvido o último tostão dos dinheiros públicos empatados nesta obra. É claro que se incluíssemos juros e a desvalorização monetária as contas seriam outras. Felizmente que a concessão foi feita por apenas 50 anos, pelo que em 2052 a Câmara de Gaia terá a oportunidade de negociar com o Porto um contrato um pouco menos ruinoso.
Mas a relação ruinosa futebol/Estado estende-se a praticamente todos os clubes do país, que sempre se aproveitaram da ânsia dos políticos em amealhar votos para obterem benefícios à custa do dinheiro dos contribuintes. Subsídios do Governo da Madeira aos clubes da região, construção de estádios municipais, contratos de publicidade nas camisolas dos clubes, totonegócio, comparticipação estatal na construção dos estádios do Euro 2004, aceitação de ações não cotadas em bolsa para servir de garantia de dividas fiscais, cedência de terrenos, são alguns exemplos. Nenhum clube de primeira linha está inocente.
Com isto tudo, o que queria dizer é o seguinte: incomoda-me menos a
decisão de construir a estátua de Cosme Damião do que a ver a indignação do
Porto sobre o esbanjamento de dinheiros públicos.
Aquilo que escrevi num outro post sobre os portistas que invocam o espírito das lei quando lhes convém, aplica-se também aqui. Qualquer dirigente, paineleiro ou
adepto do Porto devia lavar os dentes, passar fio dental e bochechar
durante 3 minutos um copo cheio de Listerine antes de falar sobre esbanjamento de dinheiros públicos. A decência agradece.