Jorge Perestrelo morreu há nove anos.
Nem todos os deuses do futebol têm que ser jogadores ou treinadores. Muito esporadicamente aparecem algumas figuras que mesmo sem marcarem golos ou construírem equipas inesquecíveis, conseguem trazer ao futebol uma dimensão adicional de espetáculo e paixão.
Jorge Perestrelo deixou-nos há nove anos, deixando um vazio nos relatos radiofónicos que para mim dificilmente voltará a ser preenchido.
Nem todos os deuses do futebol têm que ser jogadores ou treinadores. Muito esporadicamente aparecem algumas figuras que mesmo sem marcarem golos ou construírem equipas inesquecíveis, conseguem trazer ao futebol uma dimensão adicional de espetáculo e paixão.
Jorge Perestrelo deixou-nos há nove anos, deixando um vazio nos relatos radiofónicos que para mim dificilmente voltará a ser preenchido.
Quis o destino que partisse um dia depois de uma das maiores alegrias da minha vida enquanto sportinguista. Recebi com choque a notícia da sua morte, numa altura em que ainda ecoava no meu espírito a celebração inesquecível que Perestrelo fez no golo de Miguel Garcia: primeiro timidamente, como quem ainda precisa de se beliscar para acreditar naquilo que os olhos lhe estão a mostrar. Depois, deixando que a euforia tomasse progressivamente conta dele ao perceber que era mesmo verdade, até se perder na loucura do momento. Encontro na celebração de Jorge Perestrelo a exata evolução dos meus sentimentos naqueles segundos memoráveis:
Estas palavras foram seguidas da célebre frase "Eu te amo Sporting!", repetida várias vezes no calor da emoção, mas o maior elogio que posso fazer a Jorge Perestrelo é que o consigo a imaginar a dizer exatamente o mesmo de Porto e Benfica em circunstâncias semelhantes. A forma intensa e genuína como vibrava com os jogos e com os sucessos das equipas portuguesas fez com que eu nunca conseguisse perceber qual era o clube da sua preferência. Após a sua morte disse-se que Jorge Perestrelo era do Sporting, mas eu continuo a não estar convencido disso.
À emoção que colocava nos jogos que fazia, juntava um sentido de humor e uma imprevisibilidade que tornavam os seus relatos algo a não perder. Conseguia ser uma espécie de fio condutor dos sentimentos de um adepto que está no estádio para quem seguia o jogo pela rádio, fosse no assombro por uma jogada de sonho, na gargalhada espontânea por uma peripécia caricata, ou na frustração por um falhanço incrível.
Foram muitos os momentos inesquecíveis que nos proporcionou. O primeiro que tenho memória foi dos seus tempos na Rádio Comercial, num Porto - Real Madrid: insatisfeito com o rumo que o jogo estava a tomar (o Porto preparava-se para perder a eliminatória), abandona o relato com um "Já não relato mais esta merda!". Ou uns anos mais tarde, no mundial de sub-20 de 1991, quando Portugal fez o 2-1 no prolongamento dos quartos-de-final contra o México, Perestrelo celebrou o golo usando a melodia do hino nacional, naquilo que viria a tornar-se uma das suas imagens de marca em jogos da seleção.
Por falar em imagens de marca, quem não se lembra dos seus famosos "Ripa na rapaqueca", "Faz uma revienga", "Futebol sem golos é como muamba sem gindungo", "É disto que o meu povo gosta", "Qu'é qu'é isso ó meu!", ou "Até eu com a minha barriguinha chegava e faturava"?
Nos meus tempos de rapaz tinha o hábito de gravar em cassetes alguns dos seus relatos, que depois ouvia vezes sem conta a ponto de saber de cor aquilo que ia dizer em determinadas alturas, como se letras de músicas se tratassem. Na altura era a única forma que tínhamos de fazer perdurar esses momentos. Se ainda estivesse vivo, não haveria hoje golo que relatasse que não fosse parar ao Youtube, porque no momento em que a bola fazia balançar as redes, ou quando os deuses do futebol faziam das suas, não havia ninguém melhor do que Jorge Perestrelo para nos fazer sentir aquilo que se passava num estádio de futebol.