segunda-feira, 5 de maio de 2014

O futuro de Jesus

No programa Contragolpe da semana anterior, uma boa parte da conversa andou à volta dos planos que Jorge Jesus poderá ter para prosseguir a sua carreira na próxima época. A opinião generalizada é que o treinador do Benfica quererá experimentar outros campeonatos, mas Rui Pedro Braz tem outra opinião, como podem ver no vídeo abaixo onde colei três momentos do debate:


Brincou-se muito com André Villas-Boas e a sua cadeira de sonho, mas não há dúvida que para Rui Pedro Braz, a vida de Jorge Jesus encontrou no banco do Estádio da Luz o apogeu da sua existência enquanto treinador. Segundo o comentador não haverá projeto mais aliciante que treinar o Benfica, e mesmo que ofereçam um pouco mais de dinheiro a Jesus (que é indiscutivelmente bem pago na Luz), certamente que não será motivo para que o treinador abandone o clube que lhe dá mais garantia de títulos, e que inclusivamente lhe poderá proporcionar a entrada na história do futebol português, o quarto melhor da Europa. Como cereja no topo do bolo, se Jorge Jesus continuar no Benfica poderá ambicionar entrar na galeria dos treinadores portugueses com mais campeonatos conquistados.

Já há muito tempo que não ouvia tamanha concentração de disparates proferidos por um comentador.

Nunca falei com Jorge Jesus nem tenho qualquer inside information sobre os seus planos de carreira, mas já acompanho a carreira do treinador há tempo suficiente para me parecer óbvio que ambição é coisa que não lhe falta.

Lembro-me que em 2007 Jesus treinava o Belenenses e jogou com o Real Madrid, treinado por Schuster, para o troféu Teresa Herrera. O Real ganhou por apenas 1-0, com um golo marcado no último minuto com um frango do guarda-redes do Belenenses. Na altura Jesus não foi de modas: disse a Schuster que se trocassem de equipas, lhe dava três de avanço, trocava aos cinco e acabava aos dez.

Uma das características pessoais que salta à vista em Jorge Jesus é o seu ego. É já imagem de marca sua colocar-se na linha da frente para reclamar os méritos das vitórias, e mesmo quando menciona jogadores normalmente fá-lo de forma a referir a importância do seu papel ao colocá-los em campo (basta lembrar as suas declarações quando lançou Rodrigo contra o Anderlecht).

Jesus é de facto um grande treinador e sabe disso, pelo que nunca se sentirá totalmente realizado se não puder demonstrar o seu valor num campeonato mais mediático e competitivo. Rui Pedro Braz que me perdoe, mas uma equipa de topo ou um pouco abaixo disso (mas com dinheiro para gastar em jogadores) de Inglaterra, Espanha, Itália, França, ou Alemanha serão sempre mais aliciantes do que o Benfica ou qualquer outro clube português. Se os jogadores ambicionam sempre experimentar essas ligas, porque não os treinadores?

Nunca será uma questão de dinheiro. Certamente que se Jesus tiver uma proposta do estrangeiro as condições financeiras serão no mínimo aproximadas às que tem no Benfica, se não mesmo superiores. Será uma questão do nome do clube, do prestígio da liga em que se insere, e do cheque que lhe garantirem para reforçar o plantel. E tendo como agente Jorge Mendes, que tem ligações privilegiadas com meio mundo, não me parece complicado que um projeto desse tipo surja para Jorge Jesus, ganhe ou não ganhe a Liga Europa. E como não caminha para novo, não me parece que deixe escapar uma oportunidade que surja nas próximos semanas.

Sim, Rui Pedro Braz tem razão quando diz que Jesus tem condições para se juntar ao restrito lote de treinadores com três campeonatos ganhos em Portugal (Artur Jorge e Jesualdo Ferreira), mas alguma vez isso será tão apelativo do que estar envolvido numa luta com os maiores colossos do futebol europeu? Com o devido respeito por esses treinadores, acham mesmo que a ambição de Jesus é juntar-se a um lote restrito onde os outros dois nomes são Artur Jorge e Jesualdo Ferreira? Jesus quer é medir-se com os Mourinhos, Pellegrinis, Ancelottis, Simeones, Guardiolas, e Klopps, e isso nunca será possível se continuar a treinar em Portugal.

É evidente que enquanto sportinguista desejo que Jesus voe o mais rapidamente possível para outras paragens. O Benfica iria ressentir-se obrigatoriamente da mudança de treinador. Talvez não imediatamente, mas ao fim de alguns meses, à medida que o novo treinador fosse colocando o seu "cunho" sobre as ideias de Jesus, o rendimento inevitavelmente iria cair.

Claro que tudo isto depende das condições contratuais entre Jesus e o Benfica, da existência ou não do tal acordo de cavalheiros com Vieira que permite ao treinador optar por sair no final desta época. Acredito que Jesus goste de estar no Benfica, mas não tanto assim. A adrenalina dos banhos de multidão e dos festejos benfiquistas deixam de toldar a mente passado pouco tempo, e dificilmente apagarão as ambições de uma vida. Certamente que também não farão Jesus esquecer a injustiça que deve ter sentido quando foi violentamente contestado depois de ter perdido as três competições em que o clube participou até ao fim, por pormenores que dificilmente poderia prever ou evitar.