quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A incontrolável tentação da desculpabilização

                                                                                                                                                        
Ponto prévio: se os regulamentos da Liga dizem que um treinador expulso por protestos deve ser punido apenas com uma advertência e uma multa, então não há motivos para manter Jesus fora do derby. Aliás, é-me perfeitamente indiferente se Jesus estará no banco a berrar para dentro do campo ou na bancada, de uma posição privilegiada para ver o jogo, a comunicar por telemóvel para Raúl José fazer os ajustes que têm que ser feitos. O trabalho mais importante é feito durante a semana, a organização da equipa e os processos são trabalhados nos treinos, e para o tempo em que o jogo decorre sobram pormenores que tanto podem ser corrigidos diretamente ou interposta pessoa.

É bem mais relevante para mim saber, por exemplo, se William vai jogar e, olhando para o adversário, sem dúvida que seria melhor que Enzo fosse vendido a tempo de não participar no derby.

De qualquer forma, e apesar de tudo isto, há quem tenha sentido a necessidade de, no dia em que seria conhecida a decisão do Conselho de Disciplina, relativizar o que Jorge Jesus fez ao intervalo do jogo com o Boavista.




Jesus é-nos apresentado como o incontrolável génio telúrico com uma personalidade imprevisível, impossível de dominar no seu palco preferencial - como quem remete a explicação para uma questão de excentricidade. Excentricidade o tanas! É um treinador, que por muito competente que seja (e é indiscutível que é excelente no que faz), já demonstrou no passado que se está a borrifar para os outros intervenientes no espetáculo - sejam árbitros (alô Ricardo Santos?), treinadores adversários (alô Manuel Machado, Tim Sherwood?), jogadores adversários (alô Luís Alberto?) e até forças de segurança (alô PSP de Guimarães?). Não fosse ele o homem que uma vez disse que o fair play é uma treta.

É portanto um absurdo querer-se desculpabilizar Jorge Jesus comparando o que fez com outro incidente da pior espécie ocorrido noutro país. Se Manha quisesse ser completo na sua abordagem, poderia também comparar Jesus às centenas ou milhares de treinadores que andam por esse mundo fora com um comportamento bem mais adequado ao cargo que ocupam, muitos dos quais são portugueses, alguns dos quais treinam na I Liga, e que nunca fizeram nada que se aproximasse aos tristes episódios que Jesus protagonizou ao longo dos últimos anos.

Se a mensagem a passar era que Jesus não devia ser suspenso, que se baseie exclusivamente naquilo que está definido nos regulamentos. Não vale a pena tentar passar um certificado moral a uma decisão que só se justifica por termos um futebol em que os regulamentos e os organismos responsáveis pouco fazem para proteger a integridade das competições.