terça-feira, 7 de outubro de 2014

Estamos entregues aos bichos

                                                                                                                                     
Fernando Gomes, presidente da FPF, participou na semana passada no evento "Formação, o futuro e a sustentabilidade do futebol português" como orador, onde fez alguns comentários relativamente ao fim dos fundos de investimento no futebol e a uma certa evolução que se tem registado ao nível da formação em Portugal.

in record.pt

Uma pessoa que leia isto, só pode concluir que o futebol português está autenticamente entregue aos bichos. 

Na minha inocência, nunca imaginei que a primeira reação pública do presidente da Federação Portuguesa de Futebol ao fim dos fundos de investimento fosse... de preocupação. Para além de todas as questões da falta de transparência que têm sido amplamente debatidas e da hipoteca de receitas futuras dos clubes a que a eles recorrem, a aposta nos fundos tem, como efeito mais visível, o investimento em jogadores estrangeiros que vêm tapar parte do espaço que os jovens portugueses têm para se afirmar. Tudo isto, e em particular os dois últimos aspetos, é que deveriam estar a preocupar Fernando Gomes.

Atendendo que uma das principais funções do presidente da Federação é planear o futuro do futebol PORTUGUÊS, nomeadamente ao nível das seleções, seria de imaginar que tirasse partido da ocasião para apelar aos clubes para aproveitarem a oportunidade para fazerem um esforço superior de integração dos jovens da suas formações nos plantéis principais, não só porque as seleções teriam muito a ganhar com esse trabalho, mas também porque seria uma parte importante da solução para ajudar ao saneamento financeiro dos próprios clubes.

O grande problema de hoje das seleções é muito fácil de identificar. Existem três clubes em Portugal que açambarcam praticamente todo o talento jovem que existe no país, e que são em simultâneo os únicos que podem oferecer um nível competitivo desejável para a formação em massa de jogadores de classe de nível internacional. Desses três clubes, apenas um investe convictamente na etapa mais complicada da evolução de um jogador: a transição do futebol júnior para o sénior. Os outros dois, nos últimos anos, têm contribuído perto de zero para o aumento da qualidade da nossa seleção principal.

Em vez de se preocupar com o facto de dois dos grandes clubes portugueses privilegiarem quase exclusivamente a utilização de futebolistas estrangeiros, Fernando Gomes opta por mencionar números pouco significativos, como a redução de estrangeiros nas camadas jovens (desde 2009 os três grandes passaram de 34 para 11 estrangeiros). É uma evolução positiva, não tenho dúvidas, mas no panorama geral não interessa grande coisa, pois o destino desses jogadores quando chegam a séniores, sejam portugueses ou estrangeiros, é invariavelmente o mesmo: são colocados na prateleira para dar lugar às contratações milionárias (ou nem isso) que chegam todos os anos a Portugal.

Não estou a dizer que Fernando Gomes deve atacar Benfica e Porto por optarem por formar equipas compostas quase exclusivamente por jogadores estrangeiros - isso trata-se de uma decisão estratégica que compete às direções desses clubes. Mas pode alertar, orientar, sugerir, encorajar, em vez de se prestar ao ridículo papel de assumir dores que não deveriam ser suas (apenas do Porto), ou tentar impingir ao público números que não traduzem a realidade da falta de sucesso da formação de jogadores em Portugal.