quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Par de duques

                                                                                                                                                
A saída Mário Figueiredo é inevitável há muito
                                                                                                                                                           
Ponto prévio: independentemente das opiniões que vou dar sobre o processo de escolha de Luís Duque para o cargo de presidente da Liga e sobre as motivações de quem se lembrou de o convidar, não tenho dúvidas que Mário Figueiredo tem que ser afastado a bem do futebol português.

Sim, Mário Figueiredo afrontou os poderes instalados (Olivedesportos e Porto), mas fora isso o seu mandato foi caracterizado por um comportamento errático ao sabor dos apoios que julgava recolher no momento. Quem acabou por sofrer com isso foram as competições geridas pela Liga.

Mário Figueiredo não descansou enquanto não alargou o campeonato. Em 2012/13 chegou a propor a passagem para 18 clubes para 2013/14, que implicaria a alteração do esquema de promoções e relegações na própria época que estava em curso - proposta que acabou por ser chumbada na FPF. No ano seguinte, aproveitou a decisão do CJ que anulava a relegação do Boavista para concretizar os seus objetivos. A Liga tem agora 18 clubes, mas a competitividade não ganhou nada com esse alargamento. Entretanto também já tratou de expandir a II Liga para 24 clubes, o que é um completo absurdo financeiro e desportivo.

O facto de a Liga ter perdido praticamente todos os patrocínios (não só da Liga mas também da Taça da Liga) é outro ponto negativo, mas aí há duas atenuantes que Mário Figueiredo não podia controlar: a conjuntura económica e o ambiente de guerrilha que foi aberto por grande parte dos clubes a partir do momento em que os direitos da Olivedesportos foram colocados em causa.

Esse ambiente de guerrilha descredibilizou ainda mais o futebol e Mário Figueiredo deixou de ter quaisquer condições para continuar no cargo, sendo de lamentar os expedientes a que recorreu para tentar perpetuar-se no poder.

Resumindo, Mário Figueiredo foi um mau presidente da Liga e não gostei quando soube que o Sporting votou nele nas últimas eleições - mesmo considerando que era a única lista que foi a votos.


As motivações de Pinto da Costa

Parece-me óbvio que era do interesse do Porto afastar uma direção que lhe era hostil, não só por todos os inconvenientes práticos que Mário Figueiredo lhes causava em assuntos tratados pela Liga, mas também pela perda de face que é para Pinto da Costa não ter qualquer controlo num dos órgãos de poder do futebol português - mesmo que o poder real da Liga de Clubes seja atualmente bastante escasso.

Mas a motivação principal é, obviamente, a batalha que Mário Figueiredo estava a fazer contra a Olivedesportos, procurando anular os contratos em vigor de forma a poder renegociar de forma centralizada os direitos de televisivos. 

Seara era o nome inicialmente escolhido pelas boas relações que tem com a Olivedesportos, mas perante a sua recusa para encabeçar novamente uma lista, Duque acaba por ser the next best thing. Aliás, Duque e Seara são unha com carne. Ou carne com unha, talvez seja mais adequado. Não só são amigos de longa data, como também Duque foi vereador de Seara na Câmara de Sintra, e Seara foi adjunto de Duque durante a sua presidência da AF Lisboa.

Outra questão relacionada com a renegociação dos jogos que incomodava Pinto da Costa seria a intenção de Mário Figueiredo distribuir uma parcela maior das receitas pelos clubes mais pequenos.

O percurso de Pinto da Costa e Joaquim Oliveira tem sido feito de mão da dada na turva história recente do futebol português, pelo que não se é de surpreender esta atitude por parte do Porto.


As motivações de Vieira

Aqui é onde tudo fica mais confuso. A partir do momento que o Benfica avançou com a transmissão dos seus jogos, não parece que faça sentido que apoiem alguém que procure centralizar os direitos televisivos. A centralização implica que TODOS os jogos sejam vendidos em pacote a uma única cadeia, o que à partida significaria o fim da BTV.

Mas a verdade é que parece ser esse mesmo o objetivo do Benfica, pelo menos a julgar pelas palavras de Rui Gomes da Silva na segunda-feira passada:


Quando o vice-presidente do Benfica diz que Duque será um grande presidente da Liga se conseguir liderar um projeto de concentração de direitos televisivos, as intenções do Benfica ficam bastante mais claras.

Concentração implica um único operador. Perante isto há três hipóteses:
  • O Benfica quer comprar todos os direitos televisivos para a BTV - politicamente impossível, e o Benfica não tem a liquidez necessária para pagar antecipadamente a todos os outros clubes.
  • O Benfica está a preparar terreno para a entrada de um outro operador na disputa dos direitos - pouco provável, pois os relacionamentos políticos de Joaquim Oliveira impediriam um cenário desses (não esquecer que a banca entrou no capital da Controlinveste no âmbito da reestruturação financeira do grupo de Oliveira, e não irá financiar um potencial concorrente).
  • O Benfica chegou à conclusão que não é compensador continuar a deter os seus direitos televisivos e quererá que a BTV seja uma espécie de SportTV 6 (RGS fala em diferentes plataformas), incorporada no pacote SportTV.

Esta última hipótese parece-me bem mais provável, por três motivos:
  • A BTV, num ano de enorme sucesso desportivo, não teve lucro que compensasse a proposta de €22,2M / ano que a SportTV fez. Conseguiu chegar aos 300.000 assinantes apenas num mês em que recebeu Porto e Sporting, o que certamente terá levado a captado provisoriamente assinaturas de adeptos não-benfiquistas. 
  • Certamente que estará na mente dos dirigentes benfiquistas o que pode acontecer às receitas da BTV se a prestação desportiva não corresponder às expetativas dos seus adeptos.
  • Vantagens do ponto de vista de liquidez, pois o Benfica receberia antecipadamente o dinheiro dos direitos televisivos (em vez de receber à medida que os assinantes pagam) - numa altura em que o crédito bancário nunca esteve tão apertado.

A centralização dos direitos televisivos seria uma forma de Vieira poder acabar com o projeto de transmissão dos próprios jogos sem perder a face (pelo menos na cabeça dele - falamos do homem que tentou convencer o mundo de teve lucro na venda de Roberto), e incorporando a BTV na SportTV seria talvez uma forma de contornar a indexação dos contratos de Sporting e Porto ao que o Benfica receberá ao vender os seus direitos.

Outra conclusão que se tira, perante os almoços na Mealhada e os apertares de mão entre Vieira e Pinto da Costa, é que depois de longos anos a correr por fora, o presidente do Benfica sente-se finalmente confortável a vestir o fato do tal "sistema" que antes dizia combater.


O comportamento do Sporting no processo de escolha de Duque

Por norma não gosto de ver o meu clube a excluir-se da resolução de problemas que interessam a todos, mas a nomeação de Duque apenas vem dar razão à ausência do clube da reunião que determinou a sua escolha.

Benfica e Porto encontraram um ponto comum de entendimento e, mais do que discutir um programa que girasse em torno do interesse das competições, preocuparam-se apenas em encontrar um nome (escolhido secretamente pelos dois presidentes, tendo sido revelado aos outros clubes na própria reunião que o "elegeu") que erguesse o estandarte dos seus interesses. Para além disso, tem o bónus de ser uma figura envolvida num conflito judicial com o Sporting. O facto de Godinho Lopes ter sido contactado antes de Duque demonstra que a exclusão do Sporting de uma eventual solução era um ponto fundamental para Vieira e Pinto da Costa.

Esta escolha de Luís Duque por Benfica e Porto não é mais que um par de duques no póquer: uma mão demasiado fraca para ganhar que só pode iludir tolos.

Como tal, fez bem o Sporting em não cair no bluff dos rivais e demarcar-se desta escolha. Já existe demasiada gente a fazer figura de tolo à mesa.