Com tanta coisa que se vai escrevendo sobre a novela Bruno de Carvalho / Marco Silva, é normal que se comecem a fazer todo o tipo de interpretações sobre o sentimento que os sportinguistas têm sobre o assunto. A crónica que Nuno Farinha escreveu ontem no Record, é um bom exemplo em como algumas dessas interpretações são, no mínimo, precipitadas:
Escreve Nuno Farinha que Marco Silva termina o ano como o novo herói dos adeptos do Sporting. Esta frase parece-me absurda. Marco Silva será herói para os sportinguistas quando conseguir trazer títulos. Para já tem a confiança da generalidade dos sportinguistas porque o trabalho realizado tem sido positivo e a qualidade do futebol praticado tem agradado.
Mas gostava de perguntar a Nuno Farinha: porquê "novo herói"? O que mudou nas últimas semanas para ter alterado (segundo o jornalista) o status do treinador aos olhos dos sportinguistas? A única explicação razoável - por ter sido o único facto relevante das últimas semanas - é por Marco Silva ter afrontado o "déspota" Bruno de Carvalho. E se assim for, a expressão mais correta seria "o novo herói dos sportinguistas que não suportam o presidente" - o que me parece estar longe de representar uma maioria do universo verde e branco.
Para além disso, é abusivo que Nuno Farinha conclua que a afluência ao Estádio de Alvalade seja um teste à popularidade de Marco Silva. É certo que só posso falar por mim, mas eu diria que os 25.000 sportinguistas regulares (dos 35.000 de média suponho que uns bons milhares sejam espectadores esporádicos e rotativos) irão assistir ao Sporting - Estoril para apoiarem... o Sporting - não é uma questão de apoio a Marco Silva ou a Bruno de Carvalho. Estarão lá no sábado como estiveram no primeiro jogo de Marco Silva como treinador do Sporting, ou no último jogo da época passada em que Marco Silva era o treinador da equipa adversária: para ver o Sporting jogar.
Sabendo que há barricadas anti e pró-Bruno de Carvalho e, consequentemente, pró e anti-Marco Silva, acredito que a grande maioria dos sportinguistas quer acima de tudo paz no clube. Quem gosta do trabalho realizado por Bruno de Carvalho e quem gosta do trabalho realizado por Marco Silva quer sobretudo que ambos encontrem uma plataforma de entendimento que lhes permita continuarem a trabalhar em benefício do Sporting.
O filme "A Escolha de Sofia" termina com uma das cenas mais fortes de que alguma vez me lembro ter visto num filme. A personagem de Meryl Streep é colocada numa posição em que (tal como o nome indica) tem que fazer uma escolha simplesmente impossível (qualquer uma das opções apresentadas é o maior horror que se possa imaginar) - e no entanto não tem alternativa senão fazer mesmo uma escolha. Salvaguardando as devidas distâncias, é mais ou menos o que querem que se passe aqui.
Esta tentativa recorrente que se vê nos media de tentar forçar os sportinguistas a tomar partido por um dos lados do conflito simplesmente não faz sentido. Temos duas pessoas jovens, no início das respetivas carreiras, comprovadamente competentes, com personalidades fortes, e que poderão oferecer muito ao clube se tiverem um ambiente propício ao desenvolvimento da sua atividade - o que inevitavelmente implicará cedências de ambas as partes, dentro das funções e responsabilidades que cabem a ambos. Porquê abdicar de um deles?
Eu não quero escolher lados. E não quero que me forcem a escolher um lado. Mas se tiver MESMO que fazer uma escolha, o que é que eu vejo em cada uma das opções?
1. Um presidente que ama o clube, que o salvou do desastre, e cuja ambição é servir o Sporting durante muitos e muitos anos
2. Um treinador que chegou há sete meses, indiscutivelmente promissor e competente, e que certamente ambicionará progredir na carreira tão depressa quanto lhe for possível
Quem é que eu escolheria, digam lá?
A ironia de tudo isto é que só o presidente tem poder para me forçar a ter que fazer esta escolha, e se ele me obrigasse a isso a minha opinião sobre ele acabaria por ficar inevitavelmente afetada... ou seja, nunca ninguém sairia vencedor numa situação destas. Nem Bruno de Carvalho, nem Marco Silva, nem eu, nem o Sporting.
P.S.: voltando ao texto de Nuno Farinha, dizer que desportivamente o jogo de segunda era um dos mais fáceis da temporada também me parece desadequado. Seria dos mais fáceis para gerir um eventual mau resultado, mas não dentro de campo: o adversário era de respeito e jogava em casa, e apresentámos um onze totalmente novo e que poucos treinos terá feito em conjunto. É favor de não se desvalorizar aquilo que foi alcançado dentro das quatro linhas.