sexta-feira, 6 de março de 2015

Mais sobre os R&C's: impacto das vendas de jogadores, divida bancária, tesouraria e VMOC's

Já fiz em posts anteriores breves análises aos custos com pessoal e aos proveitos operacionais de Sporting, Benfica e Porto. Vamos falar agora de outras questões importantes que foram reveladas pelos relatórios dos três clubes.


Dependência da venda de jogadores para obtenção de resultados positivos

O equilíbrio das contas dos três clubes varia de caso para caso, mas todos estão dependentes da realização de mais-valias das vendas de jogadores para apresentarem resultados positivos. É preciso lembrar que os valores de transferência que são anunciados não correspondem às mais-valias registadas contabilisticamente. Para quem quiser saber mais sobre como se calculam as mais-valias, ver AQUI.

As vendas reportadas pelos clubes no 1º semestre de 2014/15 foram as seguintes (entre parêntesis o valor da venda correspondente às percentagens de passe detidas pelos clubes):
  • Sporting: Rojo (16,9) e Dier (5); total das vendas: €21,9M; total das mais-valias: €20M
  • Benfica: Enzo (25), Markovic (12,5), Oblak (16), Cardozo (4), Mitrovic (1,2) e Djavan (1); total das vendas: €59,7M; total das mais-valias: €40,7M
  • Porto: Mangala (30,5) e Defour (6); total das vendas: €36,6M; total das mais-valias: €23,4M

Como é conhecido, o impacto da venda de Rojo está dependente da decisão do TAS no processo que nos opõe à Doyen. Isto significa que os resultados anuais ainda podem vir a ser influenciados negativamente por uma eventual decisão desfavorável ao Sporting.


Nota: em virtude da reestruturação financeira, o Sporting apresentou este semestre proveitos financeiros - ligeiramente abaixo dos €4M - que não se repetirão em exercícios futuros. Sem esses proveitos financeiros, o resultado líquido ficaria ligeiramente acima dos €20M.


Evolução do endividamento bancário e obrigacionista



No caso do Sporting, foi incorporada a dívida da SPM (estádio Alvalade XXI) na fusão com a SAD, mas a concretização da reestruturação reduziu significativamente o endividamento do clube - muito à custa das famosas VMOCs (que abordarei mais à frente). Ao contrário do que foi dito na blogosfera benfiquista, a totalidade dos ativos e passivos da SPM foram transferidos para a SAD.

O Porto também passou a considerar o estádio no âmbito do aumento de capital realizado, o que significa que neste semestre foi incluída a dívida bancária referente ao Dragão.

O Benfica demonstra uma tendência de redução da divida bancária - conseguiu-o pelo 2º semestre consecutivo.


Principais riscos

Benfica: o nível de endividamento bancário

Sim, é verdade que o Benfica reduziu em €10M a dívida bancária ao longo dos últimos 12 meses, mas parece pouco considerando as vendas imensas que realizou. Matic, Rodrigo, André Gomes, Garay, Enzo, Cardozo, Markovic, Oblak, Kardec, todos juntos valeram à volta de €150M. É certo que o clube teve que distribuir fatias não negligenciáveis das vendas por outros detentores de passes e comissionistas, mas não deixa de ser preocupante que não se tenha conseguido reduzir mais a dívida aos bancos. Se não o conseguiram ao longo destes 12 meses, quando o irão conseguir?


Porto: a gestão de tesouraria

Com um nível salarial elevadíssimo, com empréstimos bancários a vencer, e com um nível de aquisições de passe assinalável, o grande problema imediato do Porto será gerir a sua tesouraria de forma a não faltarem a nenhum compromisso. Se com os bancos é previsível que não venham a existir problemas - estendem-se os prazos dos empréstimos -, com os jogadores e clubes a margem é bem mais reduzida.

Em salários já se sabe que haverá pelo menos mais €36M para pagar ao longo do 2º semestre. Em relação ao valor a pagar e a receber pelas compras e vendas realizadas, vemos que a curto prazo (1 ano), o Porto tem...


... mais de €45M a pagar...


... e apenas €18,5M a receber.

Não será surpreendente se o Porto chegar a acordo de venda de alguns jogadores ainda com a época a decorrer. E em função destas necessidades evidentes, certamente que a sua posição negocial fica enfraquecida - os potenciais compradores estarão cientes da obrigação que o Porto tem em vender.

A outra questão tem a ver com o enorme desequilíbrio das contas operacionais. O Porto certamente que conseguirá resultados positivos graças à participação na Champions e às vendas de Danilo, Jackson, Mangala e Defour. E para o ano? Quem terão para realizar tamanhos encaixes, considerando que Oliver, Tello e Casemiro não são pertença do Porto e Brahimi é 80% da Doyen?


Sporting: as VMOC's

Já se sabia que o Sporting tinha conseguido corrigir o défice crónico anual que o colocou na delicada situação em que se encontra, e agora o panorama das contas do Sporting passou a ser bem mais desanuviado com a concretização da reestruturação financeira. Os capitais próprios (altamente negativos) voltaram ao verde, graças ao aumento de capital e à redução drástica do nível de endividamento.

No entanto, o aumento de capital e a redução do passivo devem-se sobretudo a uma operação que tem sido muito falada nos últimos tempos: a emissão de VMOC's.

As VMOC's, na prática, são uma espécie de conversão de dívida em capital social do clube com efeitos retardados. Ou seja, os bancos "perdoaram" €80M dos empréstimos que o Sporting tinha contraído, em troca de €80M de ações da SAD, sendo que essas ações só serão emitidas daqui a 12 anos. O Sporting já tinha VMOC's no valor total de €47M, ou seja, passa agora a ter €127M. Destes €127M, o Sporting só tem opção de compra de €44M.

Isto significa que, mesmo comprando os €44M dessas VMOC's, o Sporting (clube) deixará de ser acionista maioritário da SAD, o que é um cenário obviamente assustador. 

Apesar disso, não há nada que invalide que até 2026 (ano em que essas VMOC's serão convertidas em ações) não possam haver operações ou acordos no sentido de impedir que o clube perca a maioria da SAD. De qualquer forma, isso implicará sempre uma enorme disciplina orçamental e um percurso de sucesso crescente.

De qualquer forma, mesmo no pior cenário, o clube terá sempre controlo dos destinos da SAD. Isto devido a um pormaior muito importante: as categorias de ações.

Conforme está escrito no R&C, as VMOC's serão convertíveis em ações de categoria B:


Existem dois tipos de ações com direito a voto nas assembleias gerais da SAD do Sporting: as ações de categoria A e as ações de categoria B. Sobre as diferentes categorias de ações, os estatutos da SAD estabelecem o seguinte:


Artigo 6º (Categoria de acções)

1. As acções da sociedade são de duas categorias, a categoria A e a categoria B,possuindo as acções da categoria A os privilégios consignados na lei e nos presentesestatutos e sendo as da categoria B acções ordinárias.

2. São acções de categoria A as subscritas directamente pelo Sporting Clube de Portugale enquanto se mantiverem na sua titularidade; são acções de categoria B as restantes.

Artigo 7º(Direito de preferência nos aumentos de capital ) 

1. Nos aumentos de capital, a preferência que seja exercida pelo Sporting Clube dePortugal será satisfeita por acções da categoria A e a que seja exercida por outrasaccionistas por acções da categoria B, sendo igualmente de categoria B aquelas queforem subscritas fora do exercício de direito de preferência dos accionistas


Os artigos 6º e 7º significam que só o Sporting pode ter ações de categoria A. Continuemos:


Artigo 12º(Quórum de funcionamento das AG's) 

A Assembleia Geral não pode, em qualquer caso, funcionar nem deliberar, em primeiraconvocação, sem que esteja representada a totalidade das acções da categoria A.


O artigo 12º estabelece que não se podem realizar Assembleias Gerais da SAD sem que o Sporting (clube) esteja presente.


Artigo 13º(Limitação de contagem dos votos nas AG's) 

1. Não serão contados os votos emitidos por um accionista, por si ou através derepresentante, e correspondentes a acções da categoria B, que:a) excedam dez por cento da totalidade dos votos correspondentes às acções dacategoria B;


O artigo 13º limita os direitos de votos de acionistas com ações de categoria B até um máximo de 10%.


Artigo 14º(Deliberações das AG's) 

2. É necessária a unanimidade dos votos estatutariamente correspondentes às acções dacategoria A para se considerarem aprovadas as deliberações da Assembleia Geral,reunida em primeira ou segunda convocação, sobre as seguintes matérias: 
a) alienação ou oneração, a qualquer título, de bens que integrem o patrimónioimobiliário da sociedade; 
b) criação de novas categorias de acções; 
c) cisão, fusão, transformação ou dissolução da sociedade, aumento ou reduçãodo capital social, outras alterações dos estatutos e supressão ou limitação dodireito de preferência dos accionistas; 
(...)
e) eleição de membros dos órgãos sociais, salvo o disposto no nº 8 do Artº 392ºdo Código das Sociedades Comerciais; 
f) emissão de obrigações ou outros valores mobiliários, ou autorização para amesma, remição de acções preferenciais e amortização de acções; 


E finalmente, o artigo 14º, que diz que o Sporting (clube) tem poder de veto sobre todas as deliberações da SAD que envolvam alienação de património, aumentos de capital, criação de novas categorias de ações, e - o mais importante - a eleição dos órgãos sociais do clube (Direção, Conselho Fiscal e mesa de AG). A única coisa que o Sporting não pode impedir é que acionistas com mais de 10% tenham assento na Administração da SAD (o tal nº 8 do Artº 392º do CSC referido na alínea e).

Isto significa que o Sporting (clube) poderá fazer tudo aquilo que lhe aprouver sem considerar a opinião dos restantes acionistas? Claro que não. Terá sempre que haver diálogo entre as partes em situações de desacordo. No limite, os outros acionistas poderão conseguir bloquear determinadas decisões que possam dificultar o governo do clube. E para todos os efeitos, os bancos (que serão os principais acionistas de categoria B após o vencimento das VMOC's) têm sempre o poder de abrir ou fechar a torneira do dinheiro que permite que o clube continue a funcionar sem sobressaltos. 

É por isso fundamental manter o rumo responsável e competente dos últimos dois anos. Havendo sabedoria nas direções do Sporting ao longo dos próximos mandatos, será sempre o clube que estará no controlo dos destinos da SAD - com ou sem a maioria de capital.