O Benfica emitiu ontem, durante a tarde, um comunicado a comentar o leak sobre o pagamento de Bernardo Silva:
Em primeiro lugar, não existe nenhuma instituição que se disponha a adiantar A TOTALIDADE do valor acordado sem receber algo em troca. Ou há uma comissão envolvida, ou há juros, ou até podem existir ambos os tipos de despesas. No fundo, ou estamos a falar de um empréstimo ou de uma operação de factoring. Olhando para o texto do comunicado, diria que estamos perante a segunda hipótese.
Adiante. Recuperando os prazos acordados para a transferência entre Benfica e Mónaco:
Os pagamentos estão divididos em três tranches: a primeira a 10 de julho de 2015, a segunda a 10 de dezembro de 2015, e a terceira a 10 de julho de 2016.
Olhando para o R&C do 3º trimestre de 2014/15 (referente a 31 de março de 2015), o saldo de clientes do Benfica (ou seja, as entidades que deviam dinheiro ao Benfica à data) era o seguinte:
Tudo certo. O prazo de pagamento ainda não tinha vencido, pelo que os 15,75M estavam em dívida. Olhemos agora para o R&C anual de 2014/15 (referente a 30 de junho de 2015):
Aqui, o Mónaco já não aparece na lista de clientes com saldo. Isto significa que o Benfica terá chegado a acordo com a XXIII Capital durante o 4º trimestre, ou seja, algures no tempo entre 1 de abril e 30 de junho.
Considerando que a primeira tranche só iria ocorrer em julho de 2015, deveria haver alguma indicação que o Benfica cedeu 15,75M de valores a receber futuros a uma terceira entidade. No entanto, olhando para o estado dos empréstimos (correntes e não correntes) a 30 de junho, no mesmo R&C, temos:
Não só não há nada na rubrica de Factoring, como também todos os empréstimos estão perfeitamente identificados, e não há referência a uma operação de 15,75 milhões realizada com a XXIII Capital. Aliás, a XXIII Capital não é referida em nenhuma das 156 páginas do R&C anual. No 3º trimestre de 2014/15 e no 1º semestre de 2015/16 também não é mencionada.
Não tenho conhecimentos para dizer se a opção por retirar os 15,75 milhões da rubrica de clientes e omitir o adiantamento da XXIII Capital é contabilisticamente correta. Mas parece-me muito, muito dinheiro, para não ser referido nem sequer como nota de rodapé num documento desta importância para uma empresa cotada em bolsa.
Por exemplo: o Porto, durante o 1º trimestre de 2015/16, fez uma operação semelhante: arranjou uma instituição que lhe adiantasse os valores a receber relativos a Danilo e Alex Sandro, as receitas da Champions da época e dos patrocínios. Como é óbvio, indicaram-no no seu relatório trimestral de forma detalhada na rubrica de Factoring:
Com o Sporting passa-se o mesmo. Antecipou os valores relativos aos direitos de televisão desta e da próxima época, e indicou-o no R&C.
Perante tudo isto, faltou ao Benfica esclarecer no comunicado:
1. Qual é a comissão / juro que a XXIII Capital (uma empresa que, ao que parece, cria produtos financeiros estruturados de alto risco com "ativos" como empréstimos feitos a clubes - de natureza até certo ponto equiparável aos tristemente célebres ativos tóxicos que precipitaram a crise do subprime) vai cobrar ao Benfica?
2. Por que motivo o Benfica omitiu a operação realizada com a XXIII Capital Limited nos seus R&C? Por que motivo não incluiu uma transação que, tomando como bom o comunicado do Benfica, envolve a avultada soma de 15,75 milhões?
3. Foram efetuados mais adiantamentos deste género, relativamente a outras transferências de jogadores já realizadas, como as de João Cancelo ou Ivan Cavaleiro, ou de transferências de jogadores ainda por realizar?
Por fim, seria bom que a CMVM, por uma vez na vida, se mostrasse curiosa com um assunto polémico relacionado com as contas do Benfica. Quando alguém omite uma operação desta dimensão, normalmente é porque quer esconder algo. Há demasiado dinheiro e pessoas envolvidas, incluindo uma auditora, para ser um simples caso de desatenção. Se isto não é motivo para a CMVM pedir esclarecimentos, então não sei o que será.