quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O negócio Sporting / NOS / PPTV, parte 3: responsabilidade para o futuro

A assinatura do contrato de direitos televisivos já ocorreu há cerca de um mês, mas parece-me pertinente fazer ainda algumas observações relacionadas sobre aquilo que este acordo representa para o futuro a longo prazo do Sporting.

Falamos de um compromisso que, na globalidade das suas componentes, tem uma duração de doze anos e meio. Isto significa que este contrato será uma das principais fontes de receitas para o clube (se não a principal) ao longo de um período equivalente a três mandatos presidenciais. Como tal, há que tomar hoje os cuidados necessários para não repetirmos aquilo que as direções anteriores não conseguiram evitar: a antecipação de entrada de dinheiro para resolver os problemas imediatos, sem pensar nos problemas que poderiam ter que ser resolvidos no futuro.

Infelizmente, tem sido prática comum dos clubes arranjar forma de receber o mais rapidamente possível dinheiro referente a épocas futuras, por necessidades de tesouraria de curto prazo. A ferramenta normalmente utilizada é o factoring, em que o banco adianta o dinheiro a troco de um comissão / juro. O Sporting, por exemplo, fez isso com o dinheiro do contrato televisivo com a PPTV, ainda em vigor.

Em 2012/13 - a última época completa da direção de Godinho Lopes -, o Sporting já tinha antecipado €42,2M que deveriam ser recebidos mais tarde.

R&C da Sporting, SAD, época 2012/13

Felizmente, o peso deste instrumento nas contas do Sporting tem sido gradualmente reduzido. No último R&C divulgado pelo Sporting os valores de recebimentos antecipados são significativamente inferiores: €18M.

R&C da Sporting, SAD, 1º trimestre de 2015/16

Isto significa que, progressivamente, o clube está a recuperar a sua própria independência financeira para as épocas que virão.

No caso do Porto, por exemplo, a evolução tem sido diferente. Em 2012/13 o Porto apenas tinha antecipado €9,5M...

R&C da Porto, SAD, época 2012/13
... mas no último R&C esse valor atingiu um total de €62M milhões de euros. Não só relativos aos direitos televisivos e publicidade, mas também de dinheiro das competições europeias e até de valores a receber pelas vendas de Danilo e Alex Sandro.


É isto que urge evitar: havendo um contrato de tantas centenas de milhões, não pode existir hoje tentação de antecipar uma tranche para reforçar a equipa de futebol com um ou dois craques a mais. Amanhã será outra tranche para resolver um problema inesperado, no dia seguinte outra... e progressivamente vai-se privando o clube de valores que poderão vir a fazer muita falta anos mais tarde. Felizmente, os números demonstram que a direção do Sporting tem conseguido devolver o futuro ao Sporting.

Para além disso, não me parece que faça grande sentido utilizar os milhões deste contrato para abater de uma vez enormes parcelas do endividamento bancário como, por exemplo, Vieira deixou entender que irá acontecer no Benfica. É verdade que o peso dos juros é muito superior no Benfica do que no Sporting, mas o problema do endividamento bancário deveria ser resolvido através dos lucros que os clubes deveriam gerar ano após ano. Usar agora, de uma só vez, centenas de milhões para pagar empréstimos ao banco, é apenas uma forma de adiar problemas para o futuro se isso não for acompanhado de um trabalho sério de reequilíbrio financeiro.

No seu acordo de reestruturação financeira, o Sporting já cativou uma percentagem significativa das receitas de publicidade e da Liga dos Campeões para abater dívida. Não faz sentido fazê-lo também com o dinheiro recebido dos direitos televisivos, pois o clube continuará a ter que operar e a precisar de dinheiro para atingir os seus objetivos.

Voltando ao princípio, este contrato com a NOS e PPTV será uma das principais fontes de receitas dos próximos doze anos e meio. Não sabemos se daqui a uns anos este contrato será considerado bom ou mau, mas por muito ou pouco valioso que seja, o Sporting deverá poder contar com esse dinheiro à medida que os anos forem passando. Nunca sabemos o que o futuro nos reserva.