sexta-feira, 12 de agosto de 2016

"O videoárbitro não serve para nada"

O Expresso estreou hoje um espaço exclusivamente dedicado ao desporto chamado Tribuna Expresso. Por azar, estreou-se com um artigo de opinião infeliz, de autoria de Martim Silva. O artigo pode ser lido aqui (LINK) e diz o seguinte:



A primeira experiência em Portugal, mas ainda a brincar (ou seja, sem efeitos práticos no decorrer do jogo e só para ensaio) foi feita no último fim-de-semana, precisamente no jogo que deu o pontapé de saída na época de futebol, a Supertaça entre Benfica e Braga, e que permitiu aos encarnados conquistarem o primeiro troféu da época.


A simulação foi feita por Jorge Sousa, que a partir de uma cabine funcionava como árbitro alternativo, solicitando ao videoárbitro dúvidas em quatro situações concretas: penáltis, validação de golos, expulsões e identificação de jogadores. Quando o esquema estiver a decorrer em pleno, esse pedido de análise é feito diretamente pelo árbitro da partida.

A tecnologia, tantas vezes pedida e reclamada, não vai ser usada ainda no campeonato nacional, mas vai ter aplicação ainda este ano na final da Taça CTT (mais conhecida por Taça da Liga), bem como nos quartos de final, meias-finais e final da Taça de Portugal. Mas, mais dia menos dia, a ideia é que a tecnologia seja usada em todas as competições.

Sexta-feira começa mais um campeonato. É tempo de a bola rolar no relvado. E é, como sempre, tempo de começarem as polémicas com as arbitragens. Foi falta! Não foi nada! É penálti! Saltou para a piscina! Amarelo! Qual amarelo, expulsão! Ladrão! É o sistema! Etc, etc, etc.

Para quem segue minimamente o ‘fenómeno futebolístico lusitano’, tornou-se verdade universal que a utilização de novas tecnologias no futebol vai ajudar a que haja maior transparência, maior verdade desportiva e, no final de contas, menor polémica.

Errado. Falso. Mentira.
Passo a explicar.

Imagine o leitor um Sporting-Benfica (pode ser Porto-Sporting, Benfica-Porto ou outra combinação qualquer). A meio do jogo o árbitro tem dúvidas, será ou não penálti? Solicita a ajuda do videoárbitro. Passados uns segundos, e depois de ver as imagens de televisão do lance repetidamente, o vídeo-árbitro decide que afinal não é penálti. O jogo segue.

No mesmo dia, e nos dias que se seguem, esse mesmo lance será visto por imensos ‘videoárbitros’, em repetições sucessivas, nos programas desportivos na televisão. Eu pergunto: alguém acredita que os comentadores de um e outro clube alguma vez estarão de acordo em relação à decisão tomada na véspera? A resposta é fácil. Pois se já agora ao verem e reverem múltiplas vezes o mesmo lance chegam, invariavelmente, a conclusões opostas, por que raio é que com o recurso a um vídeo-árbitro no terreno, em direto, as polémicas cessariam?

Não, o que vai acontecer é outra coisa. É que em vez da suspeita estar toda em cima dos árbitros (e do sistema e dos dirigentes desportivos e dos delegados e dos conselhos de disciplina e arbitragem e outros que existam), a mesma suspeita estará agora sobre os ombros de uma nova entidade culpada de todos os males que fazem com que os clubes não cumpram o seu destino bíblico: ser campeão sempre, todos os anos, e quando tal não acontecer foi porque o mundo conspirou contra as nossas cores.

Que ninguém se engane, podemos pôr quantos videoárbitros quisermos para analisar penáltis e expulsões que as polémicas não vão terminar. Por uma razão simples: a polémica somos nós, está-nos no sangue, é o que faz vender jornais especializados e dá audiência aos programas da bola. Ou melhor, aos programas que se especializaram em falar das polémicas em vez de olharem para o jogo.

Videoárbitro! Bah. Se querem acabar com as polémicas o melhor é arranjarem outro país.




Parece-me que Martim Silva não está a ver corretamente a questão. O objetivo do vídeo-árbitro não é terminar com as polémicas. O objetivo do vídeo-árbitro não é, sequer, terminar com todos os erros no futebol. O objetivo do vídeo-árbitro é aumentar a percentagem de decisões corretas, nomeadamente nos tipos de situações mais suscetíveis de influenciar decisivamente o curso de uma partida de futebol. Em menos palavras, é aumentar a verdade desportiva no futebol.

Os testes realizados pela Federação Holandesa (LINK) ao longo de duas épocas são inequívocos:
  • Foram simulados 45 jogos
  • Nesses 45 jogos existiram aproximadamente 2.000 decisões das equipas de arbitragem
  • Dessas 2.000 decisões, 51 entravam nos critérios de apoio do assistente de vídeo
  • Dessas 51 decisões, em 12 o assistente teria dado um conselho contrário à decisão que a equipa de arbitragem tomou; ou seja, falamos de 23,5% de decisões erradas em lances críticos
  • Nessas 51 decisões, o assistente de vídeo demorarou um tempo médio de 11 segundos (!!!) a avaliar o lance e a transmitir a decisão ao árbitro

Portanto, perante este comentário de Martim Silva, parece-me que estamos perante alguém que está confortável com os erros que vão acontecendo nos relvados. O que o incomoda realmente é o alarido que existe à volta do futebol.

Não faz qualquer sentido falar-se sobre o vídeo-árbitro e colocar o foco na polémica entre adeptos e paineleiros. É a mesma coisa que estar a criticar um novo tratamento com uma maior (mas não total) eficácia na cura de casos de cancro, por não conseguir eliminar por completo o sofrimento das famílias dos pacientes. 

O que interessa é que existirá uma maior taxa de decisões acertadas. Tudo o resto é folclore.