Não é possível deixar de ficar desiludido pela forma como a vitória nos escapou nos minutos finais, mas a verdade é que essa desilusão só existe porque o Sporting conseguiu, perante o campeão europeu, no seu terreno, criar uma ilusão tão real quanto as ilusões podem ser, de que podia voltar de Madrid com os três pontos na mala. Se me tivessem dito, antes do jogo começar, que o resultado ficaria em 2-1, a minha reação seria de naturalidade e até de algum alívio, por ser um resultado digno face à diferença teórica de poderio entre as duas equipas. Mas tendo visto o jogo, a forma como decorreu, a capacidade que o Sporting teve de impor a sua estratégia e de fazer valer as suas armas perante um adversário tão poderoso, e, obviamente, o facto de ter mantido a vantagem até poucos minutos do fim, um desfecho que seria encarado à partida com naturalidade acabou por ter um sabor bem amargo.
Na verdade, a única coisa má do jogo de ontem foi o resultado. O resultado é a única coisa que interessa, dir-me-ão, e terei de concordar parcialmente, mas não na totalidade. Não podemos aproveitar em nada este resultado no que toca à competição em causa (continuamos com 0 pontos), mas a exibição é daquelas que ficará na memória e lança bons (ótimos) sentimentos em relação ao que esta equipa poderá fazer - não só a nível nacional, mas até na própria Champions: jogando sempre assim, temos condições para lutar até ao fim pelo apuramento para a próxima fase.
Personalidade, classe e lição bem estudada - durante 70 minutos, o Sporting conseguiu a proeza de controlar o campeão europeu no seu próprio estádio. E conseguiu-o, não por qualquer tipo de facilidades concedidas pelo Real Madrid - tudo bem que não jogavam com a motivação de uma final, mas é um facto que meteram a carne toda no assador -, mas por ter realizado uma exibição coletiva notável que anulou. enquanto foi possível. alguns dos melhores executantes do planeta. Só não deu para os anular numa altura em que as pernas já começavam a falhar e em que o esclarecimento ia desaparecendo, ainda mais contra um Real Madrid que é uma equipa mais que habituada a tirar partido de todos os segundos que o relógio ainda lhe dá. O Atlético Madrid que o diga.
O menino que já não é nenhum menino - a imprensa nacional e o selecionador Fernando Santos bem que podem continuar a ignorar o extraordinário início de época de Gelson Martins, mas seguramente que lá fora ninguém terá ficado indiferente à fabulosa demonstração de talento e maturidade, num dos maiores palcos europeus, deste menino que já não é menino nenhum.
Centrais imperiais - Coates fez um jogo simplesmente monstruoso. Não me lembro de ter perdido um duelo que fosse, incluindo desarmes em zonas de risco extremo a adversários habitualmente letais. Rúben Semedo deu mais um passo de gigante na sua afirmação como dono do lugar. Tirando um par de passes mal medidos ao sair com a bola, teve um jogo também a roçar a perfeição.
Os campeões europeus a puxarem dos galões com a ajuda do X-Factor de Jorge Jesus - impressionante como o meio-campo do Sporting conseguiu anular jogadores como Kroos e Modric. William e Adrien apareceram ao seu melhor nível, muito bem acompanhados por Bruno César, um jogador que se mostra sempre pronto a vestir o fato que o treinador precisa numa dada altura. Adrien acabou por ser substituído, esgotado e com um amarelo, mas, coincidência ou não, foi a partir desse momento em que o Sporting começou a perder o controlo dos acontecimentos.
A onda verde em Madrid - fantástico o apoio vindo das bancadas. Ruidoso, incansável, e sem qualquer tipo de problema ao nível do comportamento dos adeptos no estádio. Exemplar.
Falta de esclarecimento nos últimos minutos - os dois golos do Real acabam por nascer a partir de situações que poderiam ter sido evitadas. A falta de Elias que dá origem ao livre do 1º golo era escusada, e João Pereira poderia ter-se desfeito da bola para longe em vez de se deixar desarmar. No caso do defesa direito, há a atenuante da falta de pernas, perfeitamente normal após um jogo tão desgastante.
A expulsão de Jorge Jesus - Jorge Jesus disse, na flash interview, que se estivesse no banco talvez ajudasse a equipa a não sofrer os golos. Acho que tem razão no que disse: um par de berros bem mandados na altura certa poderia ajudar os jogadores a reencontrarem o foco que faltou. Mas se Jorge Jesus não estava lá, foi porque o próprio se excedeu (mais uma vez). É difícil estar a pedir a um homem com mais de 60 anos que corrija os seus defeitos mas, neste caso, Jorge Jesus deveria mesmo rever o impacto das suas reações e tentar controlá-las de alguma forma.
O (não) festejo de Ronaldo - o seu golo foi um balde de água fria, mas serviu para reafirmar o respeito que tem por quem o ajudou, de forma decisiva, a ser o que é hoje. Fica-lhe sempre bem, e é um gesto que é bastante apreciado do lado de cá.
O resultado foi uma derrota, e de vitórias morais estamos todos fartos. No entanto, não é possível ignorar os sinais de que estamos perante uma enorme equipa que, apesar do que vimos, ainda está em processo de construção. Fundamental agora conseguir mudar o foco para o campeonato. O Estádio dos Arcos não é o Bernabeu, mas pode ser tão ou mais complicado caso o Rio Ave não seja levado tão a sério quanto merece.