quarta-feira, 14 de março de 2018

A inigualável capacidade transformadora do futebol português

Convidada esta terça-feira por um deputado do PSD a comentar as recentes declarações de Luís Filipe Vieira que prometiam "agir criminalmente" contra jornalistas que coloquem "em causa o nome do Benfica", a presidente do Sindicato dos Jornalistas, Sofia Branco, respondeu que as mesmas não merecem particulares motivos de preocupação.

Em audiência na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, que teve lugar na Assembleia da República, em Lisboa, a propósito das recentes declarações de Bruno de Carvalho contra os jornalistas, a líder sindical estabeleceu uma distinção clara entre o conteúdo das frases de Luís Filipe Vieira e as do presidente leonino.

"As declarações [de Bruno de Carvalho] tiveram logo consequências", começou por responder Sofia Branco, aludindo às tentativas de agressão a jornalistas que se seguiram, no exterior do Pavilhão João Rocha. "O conteúdo foi também diferente. [Luís Filipe Vieira] Disse que vai recorrer à justiça e tem toda a liberdade para o fazer. Não disse para se deixar de comprar jornais", explicou ainda a sindicalista, acrescentando que o sindicato apenas se irá pronunciar em situações extremas e não a cada intervenção dos clubes.



Ora, vamos lá fazer um ponto de situação.

Bruno de Carvalho apela aos sócios do clube que dirige a não consumirem determinado tipo de jornalismo - numa decisão que, em última análise, cabe sempre a cada indivíduo de forma completamente livre, e que de forma alguma condiciona o trabalho dos jornalistas.

O Sindicato dos Jornalistas reage da seguinte forma: 

"tentativa de limitar a liberdade de imprensa"

"declarações antidemocráticas"

"Bruno de Carvalho revela não conviver bem com a comunicação social e, consequentemente, com a liberdade de imprensa"

"é fundamental que as direcções dos órgãos de comunicação social adoptem uma resposta firme e colectiva"

Menos de um mês depois, Luís Filipe Vieira ameaça os jornalistas que publiquem notícias que prejudiquem a marca do Benfica - sejam factuais ou não - com processos judiciais imediatos.


A presidente do Sindicato dos Jornalistas reage da seguinte forma:

"Disse que vai recorrer à justiça e tem toda a liberdade para o fazer. Não disse para se deixar de comprar jornais."

Isto entra facilmente para o top das declarações mais absurdas que já se ouviram de um representante de uma classe profissional. Não há problema se os jornalistas forem entupidos com processos judiciais por um clube com imensos recursos jurídicos. Grave, grave, é se alguém disser algo que coloque em causa o dinheiro que entra nos bolsos dos seus patrões.

A cada dia que passa vou ficando mais surpreendido pela capacidade transformadora do futebol português: já se sabia que tem o condão de converter aldrabões em estadistas, mas pelos vistos também tem a capacidade de converter sindicalistas em paladinos do liberalismo económico. Suponho que se o Gandhi fosse vivo e fundasse um clube por cá, seria uma questão de pouco tempo até o transformar numa cópia do Canelas...