quinta-feira, 8 de março de 2018

Recital à Braz

Ao princípio da noite de ontem, foram anunciadas as medidas de coação aos dois arguidos detidos pela Polícia Judicária. José Sousa, o técnico informático que terá fornecido ao Benfica elementos confidenciais de processos judiciais, ficou em prisão preventiva, enquanto Paulo Gonçalves foi submetido a termo de identidade e residência e proibição de contactar os restantes arguidos do processo.

A notícia de que Paulo Gonçalves poderá permanecer em liberdade enquanto as investigações decorrem parece ter provocado um estado de euforia em Rui Pedro Braz que, minutos depois, na TVI24, deu um dos maiores recitais cartilheiros de que tenho memória, uma obra-prima da arte do spin. Ou então não, porque se uma pessoa se põe a pensar um pouco sobre o que disse, acaba por ficar baralhada. Aqui ficam alguns dos melhores momentos.


"A violação do segredo de justiça é uma farsa!"


Para Braz, a violação de segredo de justiça provocado por Paulo Gonçalves não tem qualquer importância, porque o segredo de justiça é constantemente quebrado em Portugal, seja por jornalistas ou blogues. O que se pode concluir das suas palavras é: como todos fazem, então isto não tem qualquer importância.

Rui Pedro Braz esquece-se de dois pormenores que fazem toda a diferença entre uns casos e outros: a motivação que leva uma pessoa a quebrar o segredo de justiça e, sobretudo, o que espera ganhar com essa quebra de segredo de justiça. Um jornalista fá-lo com o intuito de informar o público. Um blogger fá-lo com o intuito de expor algo que considera errado, normalmente de forma não desinteressada (se estivermos a falar de futebol), mas usa dados que já foram previamente publicados por outros. Paulo Gonçalves, segundo as informações que foram veiculadas nos últimos dias, fê-lo para prejudicar clubes concorrentes (e, por inerência, beneficiando o clube para o qual trabalha) e, pior, fê-lo para se manter informado sobre o estado de uma investigação que tinha como alvo o próprio Benfica - que, no limite, podia permitr-lhe tomar medidas de forma a ludibriar ou dificultar o curso dessas mesmas investigações.

Misturar isto com a generalidade dos casos de violação de segredo de justiça é totalmente absurdo.


"O homem passou a noite na prisão... para isto"


Braz diz que um suborno pressupõe uma contrapartida equiparada em relação ao favor que está a ser prestado, dando a entender que, considerando as ofertas feitas ("meia dúzia de bilhetes e uma camisola de merchandising"), então não deveremos estar perante um caso ilícito.

Em primeiro lugar, folgo saber que, de entre as fontes de Rui Pedro Braz, existe um especialista em taxas de câmbio de favores que sabe ao certo quando é que uma determinada oferta poderá ser suficientemente aliciante para levar alguém a deixar-se corromper.

Eu, pessoalmente, acho que Braz está a menosprezar o valor sentimental das ofertas. Se por acaso eu fosse uma pessoa corruptível, garanto que mais facilmente me deixaria tentar por um bilhete para um jogo do Sporting com valor facial de 30 euros do que por um bilhete para o mais exclusivo dos bailados em cena no Teatro Bolshoi com viagem e alojamento incluídos. No caso do técnico de informática, que, ao que tudo indica, é mesmo uma pessoa corruptível e não deverá ser uma pessoa de grandes contactos e património, não me custa nada a acreditar que se tenha sentido encantado por ter ido ver um jogo ao camarote presidencial do Benfica e conhecer alguns dos seus ídolos de juventude (ver imagem ao lado, colocada no Twitter pelo Mister do Café).

Depois, Braz consegue ainda transformar Paulo Gonçalves em vítima: então obrigaram o homem a passar uma noite na prisão por causa de seis bilhetes e uma camisola?, pergunta indignado. Não, Rui Pedro. Obrigaram o homem a passar uma noite na prisão por causa dos benefícios que alegadamente terá recolhido de uma prática criminosa.

E Paulo Gonçalves não foi libertado por uma questão de falta de provas. Simplesmente, sendo de cinco anos a pena máxima do crime em causa, Paulo Gonçalves teria de preencher uma série de prerrogativas para justificar a medida de coação de prisão preventiva. Mas considerando-se não haver perigo de fuga, sendo uma pessoa com residência fixa e uma ocupação laboral estável, e considerando o crime em causa, é normal que tenha sido libertado.


"Tudo somado, começa a causar alguma estranheza como é que ainda não há consequências"


Esta é hilariante. Braz considera que não houve consequências significativas após cinco buscas e meses de investigação. Bom, se considerarmos que...
  • Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, foi constituído arguido por corrupção no processo Lex;
  • Fernando Tavares, vice-presidente do Benfica, foi constituído arguido por corrupção no processo Lex;
  • Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica e um dos braços direitos do presidente, foi detido e constituído arguido por corrupção ativa.

... então não sei o que poderiam ser consequências apropriadas num espaço de tempo tão reduzido. E considerando o que se conhece dos emails, das suspeitas de aliciamento a jogadores de equipas adversárias, e sabendo-se que existem escutas... veremos o que ainda se seguirá. Há quem continue a dizer que o melhor ainda está para vir.


A pièce de résistance

Se aquilo que já viram é de uma delícia extrema, então não deixem de ver o próximo vídeo. É a maravilha das maravilhas.




Esta entra diretamente para o top 3 das melhores teorias de sempre de Rui Pedro Braz. Não posso deixar de comentar duas destas frases.

"Hoje em dia é raro o processo que numa repartição de finanças ou numa entidade bancária é despachado em tempo útil sem que se tenha de pagar um almoço a alguém"

Agora fiquei confuso: Rui Pedro Braz tinha acabado de dizer que 6 bilhetes de futebol e uma camisola de merchandising não é contrapartida suficiente, mas agora diz que com almoços consegue-se fazer coisas acontecer?

E já agora que falamos em almoços, se me conseguir esclarecer uma dúvida: e vouchers para um jantar para quatro pessoas? Dá para desbloquear alguma situação chata que não se esteja a resolver por si só? É para um amigo...

"Eu não consigo muitas vezes levar as coisas em tempo útil sem ter que pedir um favor a alguém, sem ter que demonstrar alguma gratidão por alguém" 

Pois, caro Rui Pedro Braz, considerando o emprego que tem e a forma como o exerce, já todos tínhamos percebido isso...