A Assembleia da República organizou uma conferência sobre a violência no desporto. Foram convidados os diretores dos desportivos para moderarem os vários painéis, que contaram com oradores divesos, como responsáveis de várias instituições e associações (entre os quais incluem-se os presidentes da FPF, da Liga, do Sindicato de Jogadores e da APAF), o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, representantes das forças policiais, e ainda elementos da comunicação social, como diretores e editores das equipas de informação/desporto da RTP, SIC e TVI, um vogal da ERC e a presidente do Sindicato de Jornalistas. Várias outras pessoas assistiram ou participaram das bancadas, com o destaque óbvio para os presidentes de Sporting e Benfica.
É um debate importante que tinha (e continuará a ter) de ser feito, mas que, ou muito me engano, nada de novo trará ao futebol. Aliás, a ideia principal que ficou no final... foi a hipocrisia de muitos dos intervenientes.
Começo por Fernando Gomes, cuja principal ideia lançada foi a criação de uma entidade autónoma que se foque exclusivamente neste problema. Não consigo deixar de perguntar em que realidade paralela tem o presidente da FPF vivido nos últimos anos. Fernando Gomes, devido à sua inação, é um dos principais responsáveis - se não o principal - pelo assobiar para o lado que tem acontecido na Federação. O CD e o CJ têm meios para punir muitos dos tristes acontecimentos que têm ocorrido nos últimos anos, mas têm optado por aplicar sistematicamente medidas punitivas leves: por exemplo, quando um adepto entrou no Dragão no Porto-Benfica para tentar agredir intervenientes do jogo, nas muitas ocaisões em que adeptos benfiquistas lançam objetos pirotécnicos para zonas onde estão jogadores adversários, elementos das equipas de arbitragem ou adeptos da equipa adversária - sendo que o caso mais grave deste género até foi causado por adeptos do Braga, que atiraram um petardo que acertou num jogador do Moreirense que festejava um golo na final da Taça da Liga da época passada -, ainda no sábado passado o árbitro Luís Godinho foi atingido por um objeto no Braga - Sporting... e nunca houve coragem para interditar os respetivos estádios. Estão à espera de quê? Que aconteça mais uma tragédia?
Convém também não esquecer que é o mesmo Fernando Gomes que patrocinou a ideia peregrina de formar e patrocinar uma claque da seleção, formada com elementos dos grupos de adeptos que são uma parte dos problemas que estiveram em debate - ainda que a milhas dos problemas criados por outras claques ilegais. Ou seja, quando lhe dá jeito, não deixa de alimentar os mesmos grupos que agora quer, supostamente, controlar de forma mais rígida.
Também falou o presidente da Liga, o líder do organismo que achou boa ideia que se realizasse o Sporting - Benfica no dia seguinte ao assassinato de Marco Ficcini. A propósito, alguém se lembra da punição que o Benfica sofreu por causa dos cânticos ofensivos que os adeptos benfiquistas fizeram durante o minuto de silêncio? Pois...
Parece-me que, no geral, ninguém deu grande relevância ao que foi dito na conferência - basta ver como a maior fatia de atenção acabou por ser dedicada à presença dos presidentes de Sporting e Benfica, que ocupou um espaço mediático muito superior a tudo o resto. O que nos leva a outra questão importante que acredito que terá sido ignorada pelos elementos da comunicação social que participaram na conferência: o seu papel em tudo isto.
Não concordo com Bruno de Carvalho quando este disse que o discurso dos presidentes não contribuem para a existência de animosidade e comportamentos violentos por parte dos adeptos, pois parece-me óbvio que as palavras inflamadas e as acusações de parte a parte são um potente combustível para o estado de crispação que se vive. No entanto, concordo inteiramente nas acusações que Bruno de Carvalho fez à comunicação social, que, como muito bem sabemos, faz questão de alimentar as polémicas recorrendo a pirómanos comunicacionais profissionais. Há muito que a esmagadora maioria dos espaços noticiosos e de debate sobre futebol deixaram de ter qualquer valor informativo, dando lugar a entretenimento rasteiro, já que os jornalistas/comentadores/notáveis, em vez de serem escolhidos pelo seu profissionalismo e competência, são, na sua maioria, "colocados" por cunhas de clubes e pela apetência que têm para criar momentos televisivos virais. Ou seja, são espaços que passaram a ser dominados por cartilheiros e palhaços, que vendem fake news e dizem as maiores barbaridades que se possam imaginar sobre os adversários. Há muito que deixou de haver limites para estes indivíduos, que são, sem sombra de dúvida, os maiores promotores da crispação existente.
Basta ver, aliás, a forma como a TVI abriu o jornal da noite de quarta-feira: o tema escolhido foi a conferência sobre a violência, mas abordaram exclusivamente a acusação feita por Bruno de Carvalho à comunicação social... e terminando com um resumo das frases mais polémicas do presidente do Sporting desde que assumiu funções.
Como puderam ver, sobre a conferência propriamente dita, nem mais uma palavra. Isto é jornalismo sério? Obviamente que não. Sentiram-se ofendidos e decidiram, em vez de informar, alimentar ainda mais a polémica.
Este comportamento da TVI não deixa de ser sintomático do estado das coisas. Apenas demonstraram que, efetivamente, estão-se a borrifar para o que se passa no futebol, desde que isso dê audiências e o seu orgulho permaneça intacto. Entrento, nessa mesma noite, o canal de "informação" da TVI emitiria um especial sobre o Benfica. Participantes: Pedro Guerra e João Malheiro, acabando prematuramente devido à saída deste último em direto por se sentir ofendido pelo primeiro. Isto é que é serviço público, TVI!