terça-feira, 22 de maio de 2018

Terrorismo comunicacional

Os inenarráveis acontecimentos de terça-feira passada que culminaram nas agressões a atletas do Sporting em pleno balneário colocaram o clube no centro de uma tempestade nunca vista no futebol português e causaram aquilo que é, neste momento, o maior risco a curto-prazo a que o clube está sujeito: a rescisão unilateral dos atletas.

Em relação a este tema, no entanto, há duas facetas diferentes a considerar: o aspeto mediático e o aspeto legal. Sobre o aspeto legal estamos a falar de águas nunca dantes navegadas. Poderá ser aquilo que aconteceu motivo suficiente para os jogadores rescindirem o contrato com o Sporting? Não sou jurista e não faço ideia de qual será a resposta para esta pergunta - e duvido que mesmo os maiores especialistas sobre direito do trabalho tenham posições totalmente vincadas em relação a este tema. Já deu para perceber, mesmo para os leigos, que é uma questão muito complicada e que qualquer decisão precipitada que se tome poderá ter consequências imprevisíveis.

Fonte: European Journalism Observatory
Depois há o aspeto mediático. Nem a queda do BES nem a prisão de Sócrates tiveram um impacto tão avassalador durante um período tão prolongado. Começou-se a falar em terrorismo. Comunicação social e poder político, cada qual com os seus motivos, uniram esforços para fazer disto um caso exemplar. Aí recai a primeira hipocrisia, pois no dia 17 de janeiro de 2018, cerca de 30 adeptos do V. Guimarães, alguns dos quais encapuzados, invadiram um treino no clube e agrediram jogadores (LINK).

Não quero com isto banalizar, atenuar ou desculpar o que aconteceu em Alcochete. Aceito que o mediatismo e dimensão do Sporting elevem a questão para outro patamar, mas se o que está aqui em causa é terrorismo... então como é que alguém explica que os acontecimentos de Guimarães, ocorridos apenas quatro meses antes, não tenham sido mais do que uma nota de rodapé nos noticiários da imprensa desportiva e não tenham despertado qualquer atenção da classe política?

Mas houve um outro tipo de aproveitamento. A sucessão de notícias a anunciar as rescisões tem sido qualquer coisas de surreal. Apesar de não ter havido qualquer tipo de consenso entre os especialistas de direito desportivo e direito de trabalho sobre a existência de bases irrefutáveis de rescisão, a última semana tem sido um desfile de parangonas a anunciar a catástrofe iminente.


Curiosamente ou talvez não, essa catástrofe iminente tem vindo a perder algum fulgor ao longo dos dias.

Há muito de wishful thinking na forma como as notícias têm sido dadas. Não quer dizer que não exista o risco de haver rescisões - é evidente que há -, mas é completamente óbvio que muitos jornalistas e comentadores decidiram atirar-se de cabeça para o pior cenário possível, em vez de avançarem para o cenário mais provável. Primeiro, o plantel iria rescindir de imediato de forma coletiva. Depois adiou-se a bomba para segunda-feira, primeiro dia útil após a final da Taça. A seguir já se dizia que as rescisões iriam aparecer durante a semana, e agora até já se fala no prazo de 30 dias que está previsto na lei.

Está mais que visto que o que interessa é manter em aberto a possibilidade das rescisões. A lógica e consistência dos argumentos utilizados pouco importa. Veja-se, por exemplo, a figura de Diamantino no Mais Tabaco de ontem:


Para além das argoladas nos argumentos utilizados - até mete dó -, Diamantino coloca em causa o caráter dos jogadores que queiram permanecer no Sporting? Mas estamos a brincar? Diamantino, um dos heróis de Saltillo e consagrado cartilheiro benfiquista, a mandar bitaites sobre o caráter de outros jogadores? Realmente é preciso descaramento.

Ao terrorismo consumado na Academia, muita da comunicação social decidiu responder com terrorismo comunicacional. Deixei alguns exemplos em cima, e poderia arranjar muitos mais. Até se chegou ao ponto de dizer que o Sporting se tinha "perdido" 20 milhões porque as ações tinham caído alguns cêntimos na sua cotação. Curiosamente, entretanto as ações da Sporting SAD aumentaram 30% e ninguém diz quanto é que o Sporting "ganhou" - nem têm que dizer, porque a SAD não fica nem melhor nem pior em função da cotação das suas ações.

Podemos contar com uma coisa: este terrorismo comunicacional vai continuar nos próximos dias, pois se há coisa que estes encartados da verdade detestam é que o tempo não lhes dê razão. Aquilo que puderem fazer para consumar o que dizem ser inevitável, será feito.