quinta-feira, 7 de junho de 2018

Branqueamento de capitais e fraude fiscal

As suspeitas que levaram à realização de mais uma sessão de buscas no Estádio da Luz na terça-feira  - pagamento de serviços a uma empresa do ramo informático de 1,9 milhões de euros que foram, posteriormente, levantados em numerário - podem ser explicadas de três formas possíveis, mas nenhuma delas pode ser considerada normal.

A primeira explicação é o serviço ter efetivamente existido e os pagamentos terem sido efetuados segundo o contrato assinado pelas partes. O que depois foi feito com o dinheiro dirá única e exclusivamente à empresa que recebeu esses valores. 

Neste cenário, nem o Benfica nem os seus funcionários seriam responsáveis por qualquer irregularidade. No entanto, para isto se comprovar é necessário que tenha havido, efetivamente, uma prestação de serviços informáticos no valor de quase 2 milhões de euros. Dependendo do tipo de serviço, podemos estar a falar de um esforço total que poderá variar entre 4.000 e 16.000 horas de trabalho. A existência ou não existência de uma prestação de serviços desta dimensão é facilmente demonstrável: ou falamos de uma implementação de um sistema informático, ou falamos de um contrato de algum tipo de suporte técnico, qualquer um deles implicando a produção de um grande volume de documentação de projeto ou registos de ticketing ao longo de um determinado período de tempo, incluindo trocas de ficheiros, emails e telefonemas entre técnicos, consultores e funcionários do Benfica das áreas, e tudo numa sequência cronológica coerente que é impossível falsificar.

Ou seja, para este cenário ser verdadeiro teria de haver uma prova incontestável de que tais serviços aconteceram - algo de que as autoridades duvidam, segundo o que se pôde ler no comunicado emitido ontem sobre o caso. 


Seria também necessário perceber a coincidência de todos os pagamentos efetuados pelo Benfica terem sido posteriormente levantados em numerário, algo que nenhuma empresa respeitável do ramo costuma fazer. Mas isso não seria problema do Benfica.

Sobram, portanto, duas explicações, ambas dependentes do pressuposto de que tais serviços nunca aconteceram: uma em que o Benfica é vítima de burla por parte de funcionários seus, e outra em que o Benfica está envolvido em crimes graves.

O Benfica poderia ser vítima caso um conjunto de funcionários seus tivesse conspirado para roubar dinheiro à SAD, inventando um serviço inexistente, arranjando uma empresa cúmplice, com o dinheiro transferido a ser depois dividido entre todos. Mas isto é altamente improvável, porque investimentos deste montante em serviços informáticos são aprovados pelas hierarquias de topo e a sua execução é acompanhada regularmente. Seria de uma incompetência extrema não haver ninguém a aperceber-se de que não havia qualquer projeto a decorrer, para além de que, após a descoberta, teria obrigatoriamente que haver queixa-crime contra esses indivíduos. Isso também é muito fácil de validar pelas autoridades.

Sobra então a última explicação, aquela que as autoridades investigam, e a que é mais provável considerando todas as suspeitas de irregularidades que têm surgido no último ano associadas ao Benfica: branqueamento de capitais e fraude fiscal. Do que é que estamos a falar em concreto?

Branqueamento de capitais ou lavagem de dinheiro são operações em que uma determinada pessoa ou organização tenta transformar dinheiro obtido de forma ilegal (sujo) em dinheiro legítimo (limpo). Uma das formas de se conseguir lavar dinheiro é gerar receitas inexistentes que ajudem a justificar os sinais exteriores de riqueza da tal pessoa ou organização. Um dos métodos que existe para gerar receitas inexistentes é através da emissão de faturas falsas.

Num cenário hipotético: a empresa A (neste caso concreto, segundo as suspeitas das autoridades, corresponderia à empresa de serviços informáticos) quer legalizar 2 milhões de euros obtidos através de uma atividade ilegal.

A empresa A necessita de ter um parceiro para efetuar este golpe, a empresa B (que neste caso concreto, segundo as suspeitas das autoridades, corresponderia ao Benfica). A empresa A vende um serviço fictício à empresa B, e passa uma fatura no valor de 2 milhões, para assim poder apresentar receitas de 2 milhões. Posteriormente, irá passar para o nome dos sócios uma grande parte desse valor, através da distribuição de dividendos, salários, prémios ou outro tipo de compensações. Falamos, portanto, de dinheiro que estava na economia paralela e que assim passa a estar no sistema financeiro legítimo.

Para mascarar melhor a operação, a empresa B faz uma transferência em nome da empresa A dos tais 2 milhões. Noutra altura, que tanto pode ser antes ou depois da tal transferência, a empresa A devolve os 2 milhões à empresa B (através de canais mais complexos, como off-shores, ou mais simples, como uma mala cheia de dinheiro entregue em mão). A empresa B ficará então com um saco azul de 2 milhões, que poderá usar para despesas ilícitas que não podem ficar registadas nas suas contas. No caso de um qualquer clube de futebol estamos a falar de dinheiro que poderá ser utilizado, por exemplo, para aliciar jogadores ou árbitros.

A parte da fraude fiscal é a que menos importância tem no caso, é quase como uma espécie de dano colateral ao que realmente interessa: como a empresa B está a declarar custos que nunca teve na realidade, está a reduzir os seus lucros e, consequentemente, está a pagar menos impostos do que devia ao Estado.

Isto é, como se pode facilmente perceber, uma questão gravíssima. Ninguém tira voluntariamente milhões das contas para a economia paralela com boas intenções - não será certamente para comprar rifas a escuteiros -, sendo possível que isto seja apenas mais uma ramificação de toda a podridão que tem vindo a ser revelada ao longo do último ano. É também extraordinário como grande parte da comunicação social conseguiu passar praticamente ao lado deste caso. Esperemos pelos próprios desenvolvimentos.