Alexandre Pais, anterior diretor do Record, numa crónica para a revista Sábado desta semana:
3. A propósito de Rui Machete: ouvimos no último fim-de-semana, num canal de TV especializado em informação, uma repórter chamar-lhe – e por três vezes! – Manchete. Compreendo. Se nos jornais os editores não conseguem dar conta de tanta asneira à solta, controlar os ignorantes licenciados é tarefa ainda mais ingrata no audiovisual. Redução de custos oblige.
Tendo sido durante tantos anos diretor do Record, Alexandre Pais tem toda a autoridade para criticar a falta de qualidade intelectual dos "ignorantes licenciados" que os órgãos de comunicação social têm que gramar. Ele saberá isso melhor do que ninguém.
Mas o fenómeno dos "ignorantes licenciados" não explica tudo relativamente à paupérrima qualidade que os jornais desportivos em particular demonstram dia após dia.
- A divulgação de não-notícias é prática corrente. Isto não se deve ao facto de os "ignorantes licenciados" andarem a tirar conclusões incorretas dos acontecimentos que reportam. Deve-se ao facto da necessidade de encher chouriços para encher 40 páginas diárias à volta do fenómeno desportivo, que não tem assim tantas notícias relevantes para oferecer ao público.
- A falta de isenção e excesso de desigualdade de tratamento é um cancro que qualquer jornalista com brio deveria repudiar. Isto é transversal a toda a imprensa escrita desportiva, mas não poupa algumas rádios e canais de televisão. Toda a gente sabe que A Bola é o órgão oficioso do Benfica e que O Jogo é o mesmo para o Porto. O Record vagueia numa terra de ninguém à procura do seu filão. A esmagadora maioria das capas e dos destaques são direcionados para os adeptos desses clubes, independentemente da relevância do que "noticiam". Em nome desse público-alvo distorcem-se factos, empolam-se irrelevâncias e omitem-se questões pertinentes, que é precisamente o contrário daquilo que qualquer jornal deveria fazer. Mais uma vez, o problema não está nos "ignorantes licenciados". O problema está nas linhas orientadoras que vêm de cima, nomeadamente dos Serpas, dos Pais, dos Manhas e dos Ribeiros.
- Muitos dos principais jornalistas demonstram ter agendas que orientam o que escrevem, não se sabe se por preferências pessoais ou se por influências externas. Desde que se soube que Tavares Teles escrevia artigos a mando de Pinto da Costa, não é difícil acreditar que o mesmo aconteça com alguns dos mais conhecidos jornalistas / comentadores da nossa praça. Já aconteceu Fernando Guerra envolver-se numa disputa eleitoral no Benfica. Jornalistas colocarem-se na primeira linha dos acontecimentos em vez de se limitarem a reportá-los. Também é demasiado evidente que algumas destas figuras só escrevem bem de uns e mal de outros, como já mostrei em posts como este, este e este. Mais uma vez não estamos a falar de "ignorantes licenciados".
É um facto que em Portugal se gosta mais de clubes do que do desporto propriamente dito. No entanto, isso não justifica que os jornais tenham que escolher lados. Para mim o ideal era que deixassem de ser diários, mas isso é uma impossibilidade já que há jogos em praticamente todos os dias da semana e a concorrência das televisões, rádios e internet é avassaladora. Se tivessem que se preocupar menos em encher chouriços e deixassem de suportar custos enormes por serem publicações diárias, poderiam concentrar-se mais na qualidade. Talvez tivessem uma supresa agradável.