Num ano em que o Sporting irá manter uma política de forte contenção orçamental (assumo que ainda serão vendidos jogadores por verbas que cobrirão os gastos em contratações) e em que o Benfica está em processo de desmantelamento de uma equipa de grande qualidade, o Porto tem-se destacado dos rivais ao realizar um grande número de contratações sonantes por montantes consideráveis - mesmo considerando o forte patrocínio de Jorge Mendes e outros fundos.
São bastantes os comentadores que, perante esta demonstração de fulgor financeiro dos ex-campeões, a par da sangria que vai havendo para os lados da Luz, e do Sporting que não deixa de ser o Sporting - e como tal, colocado num patamar abaixo em relação aos seus rivais -, não hesitam em colocar o Porto como principal favorito na corrida ao título. Pelo menos era assim até ao jogo de apresentação com o Saint-Étienne.
Concordo que se os planos correrem da forma que os seus dirigentes desejam, o Porto poderá ser a equipa melhor colocada à partida. No entanto, tenho as minhas dúvidas sobre a política de rotura com o passado que o Porto optou por seguir - já as tinha antes do empate a 0 do último domingo, pelo que não foi esse resultado que me moldou a opinião. Olho para a forma como o plantel do Porto se está a formar e vejo uma série de decisões de risco que poderão causar bastantes problemas ao longo da época que agora começa.
Parece que poucos comentadores repararam, mas o futebol portista está no meio de uma GRANDE revolução
Para além de terem contratado um novo treinador, são grandes as alterações do plantel do Porto relativamente ao ano passado. Comparando com o início da época passada, Helton (faz parte do plantel, mas dificilmente será utilizado), Otamendi, Mangala, Fernando, Lucho, Defour e Varela não farão parte da equipa. Ainda não se percebeu se Jackson continua ou não. Só aqui estão 8 dos jogadores mais importantes na conquista do campeonato em 2012/13 (some-se as saídas de Moutinho e James há um ano). Isto significa que dos 12 jogadores mais utilizados nessa temporada já só sobram Danilo e Alex Sandro.
Uma das imagens de marca do Porto, que é contar com jogadores habituados a somar títulos, está portanto muito enfraquecida. Adrián, Óliver e Tello já foram campeões em Espanha, mas desempenharam um papel secundário.
O Benfica mantém o treinador, o Sporting mantém (até ver) todos os jogadores. O Porto nem uma coisa nem outra.
Lopetegui não tem experiência de clubes e de campeonato português
Lopetegui pode ser muito metódico, um estudioso do futebol, e extremamente competente em diversos aspetos relevantes para a profissão que tem, mas há algo que ninguém pode negar que lhe falta: experiência de treino em clubes.
Todos sabemos que existe uma diferença significativa entre:
- liderar um grupo de jogadores jovens que num dia podem ser chamados para a seleção e noutro podem ficar de fora das convocatórias, e
- liderar um grupo de jogadores seniores, que não podem ser despachados de um dia para o outro, muitos dos quais com egos e empresários que podem desestabilizar o ambiente no balneário.
E, claro, há os adeptos: a pressão diária de trabalhar num clube em que todos estão habituados a vencer títulos atrás de títulos, e que ao fim de 2 jogos sem ganhar entram em parafuso, é completamente diferente de fazer de dois em dois anos umas competições num país estrangeiro em escalões que poucas paixões despertam. Os assobios que a equipa ouviu no final do jogo com o Saint-Étienne são um bom indicador para que Lopetegui saiba o que lhe espera se o sucesso não for imediato.
Há outra questão importante: Lopetegui é espanhol e, como sabemos, é muito comum aos treinadores estrangeiros que vêm trabalhar para um grande português subestimarem as equipas mais pequenas. Normalmente estão mais habituados a competições em que os clubes mais fracos têm algum pudor em colocar constantemente 11 jogadores atrás da linha da bola, a marcarem implacavelmente os jogadores mais talentosos, e usando e abusando de expedientes que quebrem o ritmo de jogo do primeiro ao último minuto.
O playoff da Champions
É pouco provável que aconteça, mas se o Porto não se qualificar para a fase de grupos da Champions será um golpe profundo no moral dos jogadores (que se querem valorizar e perdem a maior montra de todas) e dos adeptos. Condicionará de forma extremamente negativa o resto da época.
As fraturas na estrutura
O conflito aberto entre Antero Henriques e Alexandre Pinto da Costa promete continuar em 2014/15, em que cada um procurará capitalizar os fracassos das apostas do outro. Não é de excluir que um ou outro possam procurar usar a sua influência para benefício dos seus protegidos no plantel, podendo contribuir para um eventual envenenamento do bom ambiente no balneário.
Divisões no plantel (os espanhóis e os outros), Quaresma e a situação de Jackson
O treinador está a trazer jogadores em quem confia. Outros jogadores que aspiravam à titularidade poderão não achar piada ao facto de serem relegados para o banco. Por exemplo, será que Fabiano, que poucas semanas antes da lesão de Hélton queixava-se de não ter oportunidades para jogar, reagirá bem se Lopetegui entregar a baliza a um guarda-redes desconhecido que vem do Osasuna?
Com a chegada de Tello e Brahimi, que espaço no onze sobra para Quaresma? Sabe-se que o jogador tem um feitio pouco compatível com o estatuto de suplente.
E finalmente, Jackson. Na minha opinião é um dos melhores jogadores do nosso campeonato (se não mesmo o melhor), mas é sabido que quer dar o salto para outra liga. Se ficar, qual será o seu nível de motivação?
Equipa macia e pouco dada ao choque, com falta de alternativas para um estilo de jogo mais físico
Olhando para o plantel em geral, vejo demasiados artistas e poucos operários. Dos operários do ano passado, Defour não foi apresentado e Fernando foi embora, sobrando apenas Herrera. Veio Casemiro, que apesar de ser trinco é considerado pelos especialistas como um jogador com mais apetência para construir jogo do que para varrer os ataques adversários. E ainda há Carlos Eduardo, Quaresma, Evandro, Quintero, Óliver, Brahimi, Tello e Adrián - mas nenhum deles é um jogador fisicamente poderoso. O único com essas características é Jackson.
Em teoria, uma equipa recheada de jogadores talentosos tem melhores hipóteses de vencer jogos, mas vai haver situações em que a inspiração coletiva vai tirar um dia de folga, e outras em que os terrenos são de tal forma pesados que são impróprios para se jogar pelo chão. Nesses casos daria jeito ter jogadores com outras características - coisa que este Porto parece pouco preocupado em recrutar. Nesse sentido não compreendo a dispensa de Ghilas, que oferece uma disponibilidade física ao ataque que apenas Jackson consegue superar.
A pressão financeira em janeiro de 2015
O Porto é um clube que tem custos gigantescos, e necessita de mais-valias substanciais na venda de jogadores para conseguir equilibrar as suas contas.
Ainda não são conhecidas as contas finais de 2013/14, mas muito provavelmente o Porto terá prejuízos à volta dos €20M, pois:
a) no final do 3º trimestre o clube apresentou €38M de prejuízo
b) a esse valor, deve-se somar o prejuízo operacional do 4º trimestre, que deverá andar à volta dos dos €7-8M
c) descontar as mais-valias das vendas de Iturbe (o Porto recebe €7M), Castro (€2M) e Fernando (€15M - será que o Porto vai receber todo o valor da transferência? não acredito mas vou assumir que sim para esta simulação)
A venda de Mangala já fará parte das contas de 2014/15. Se a transferência for feita por €40M, o Porto receberá €22,4M (pois possui 56% do passe) que não será suficiente para cobrir o prejuízo do 1º semestre. Em janeiro, em função do enorme investimento que o Porto está a fazer (entre as contratações milionárias de Adrián e Martins Indi e os salário presumivelmente altos de todos os jogadores que vieram de Espanha), é normal que haja pressão para vender.