sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Loose cannon

É normal que pessoas com poder utilizem outras para fazer passar uma determinada mensagem que não pode sair diretamente na sua boca. Na política é um estratagema extremamente frequente (que nos casos mais delicados é transformado numa fuga para a imprensa ou para o Correio da Manhã), e parece-me evidente que foi uma estratégia deste tipo que esteve na origem de toda esta novela protagonizada por José Eduardo.

No futebol português não é nada que não aconteça regularmente. É famosa a escuta em que Pinto da Costa encomenda a Tavares-Telles um artigo para pressionar a FPF a não castigar Deco durante muito tempo, e lembro-me também de Vieira ter usado Fernando Guerra, um dos subdiretores do jornal A Bola, para disseminar a indignação benfiquista após uma arbitragem de Olegário Benquerença em Guimarães, que terminaria num comunicado a apelar ao boicote dos adeptos benfiquistas nos jogos fora. Nestes casos é particularmente grave que existam jornalistas que se prestem a este tipo de serviços (quanto mais não seja por uma questão deontológica). E também é óbvio para todos que determinadas capas ou notícias dos jornais desportivos não são mais que encomendas dos clubes com quem têm relações privilegiadas.

Parece-me evidente que Bruno de Carvalho quis que a sua versão dos acontecimentos no conflito com Marco Silva viesse cá para fora. Não tendo nenhum jornal de confiança onde "plantar" a notícia, virou-se para uma figura com visibilidade que estivesse inequivocamente do seu lado. Mas mesmo aí não há muitas pessoas disponíveis: Eduardo Barroso (que tem um perfil pouco adequado para este tipo de encomendas), José Eduardo (comunica bem e de forma ponderada, tem acesso fácil à RTP e escreve semanalmente em A Bola) e eventualmente Paulo Andrade (que não tem a visibilidade necessária).

O que me parece é que tudo isto foi mal executado desde o princípio, e rapidamente os acontecimentos entraram numa espiral auto-destrutiva que expõem a direção (e particularmente Bruno de Carvalho) a um nível que nem nádegas, Doyens, Duques ou juízes Herculanos alguma vez conseguiram. 

José Eduardo falhou redondamente na forma como apareceu a fazer as críticas ao treinador: uma entrevista no aeroporto retira toda e qualquer espontaneidade ao acontecimento, tornando óbvio que havia urgência em fazer acusações a Marco Silva. Falhou também no conteúdo: foi demasiado colorido nas adjetivações a Marco Silva. Expressões como "cabeça do polvo" e "diabo com cara de anjo" são totalmente exageradas, e retiram força aos factos que estavam a ser divulgados. E poucos minutos depois, Bruno de Carvalho menciona José Eduardo e legitima tudo aquilo que foi dito. Resta saber se Bruno de Carvalho já conhecia a forma e conteúdo das palavras de José Eduardo à Sporting TV (que foi previamente gravada e transmitida cerca de 30 minutos depois de José Eduardo ter falado em direto).

A entrevista que José Eduardo deu ontem ao programa 4x4x3 é inqualificável. É ridícula a indignação que o comentador revelou por Marco Silva não ter aceite falar com ele, o episódio de se ter disponibilizado para uma reunião num parque de estacionamento é deprimente, a teoria de que Marco Silva quer derrubar o presidente é absurda, e o facto de ter aproveitado aquele tempo de antena para promover a sua coluna semanal em A Bola - um jornal claramente alinhado com o Benfica - dá-me vontade de me atirar de uma ponte.

José Eduardo parece ter demasiada ânsia de protagonismo, colocando-se sistematicamente no centro dos acontecimentos. E da entrevista que deu ontem ao programa 4x4x3 foi apenas isso que sobrou: alguém que se está a pôr de bicos de pés a tentar chamar para si os holofotes, sem se importar com os danos que está a causar ao clube. 

Atendendo aos pormenores que José Eduardo revelou (estou a assumir que são verdadeiros), estou convencido de que foi mandatado por Bruno de Carvalho para passar uma determinada mensagem, mas também me parece óbvio que o comentador tomou a liberdade de ultrapassar todos os limites que lhe estariam tacitamente impostos e que neste momento é um perigo ambulante à solta.

Se por acaso tudo isto ainda fizer parte da estratégia presidencial - desejo e acredito que não -, então que os deuses nos ajudem a todos.