Na passada terça-feira, o jornalista Tariq Panja (que acompanha os assuntos relacionados com a FIFA pela Bloomberg) deu a conhecer a existência de uma investigação da FIFA ao negócio Porto / Mangala / Doyen / Manchester City por eventuais infrações ao regulamento de transferências no âmbito do relacionamento entre clubes e fundos.
Tendo sido o negócio concretizado no verão de 2014, ou seja, numa altura em que os TPO ainda eram legais, como é que esta venda pode constituir um problema para a Doyen e para o Porto? Segundo o que se percebe pelas palavras do porta-voz da FIFA citado pela Bloomberg, na base de tudo isto estará um dos documentos revelados pelo Football Leaks, no qual Porto e Doyen concordaram em negociar separadamente com o Manchester City as respetivas percentagens do passe de Mangala.
A FIFA estará a interpretar este documento como uma prova de que o Porto abdicou de direitos inalienáveis à luz do regulamento de transferências da FIFA, ou seja, a capacidade de determinar o destino de um seu jogador sem a interferência de terceiros. Ou fazendo a leitura numa outra perspetiva, de que a Doyen passou a ter poderes ilegítimos no processo de transferência do jogador. De que forma? A partir do momento em que este documento foi assinado, a Doyen passou a ter o poder de vetar a venda de Mangala ao Manchester City, já que o jogador nunca poderia ser inscrito em Inglaterra sem que os 100% do passe do jogador fossem transacionados. Ou seja, um acordo entre Porto e Manchester City ficaria sempre dependente do acordo entre a Doyen e Manchester City. O fracasso do segundo acordo determinaria inevitavelmente o fracasso do primeiro.
Considerando as excelentes relações entre Porto e Doyen, é evidente que este documento se tratou de uma mera formalidade (estranha, é certo, como tantas coisas na compra e venda de Mangala) que na prática nunca iria causar problemas na transferência. Mas é inegável que ao assinar o documento revelado pelo Football Leaks, o Porto colocou nas mãos da Doyen a capacidade de influenciar a independência de um clube na transferência de um seu jogador, coisa que é expressamente proibida pelo regulamento de transferências da FIFA - independentemente de o fundo acabar ou não por exercer o poder de influência que lhe foi voluntariamente dado pelo clube. O artigo 18bis, 1) é cristalino em relação a isso.
Como é evidente, o Porto terá a oportunidade de apresentar a sua versão e muita água correrá debaixo da ponte, mas a FIFA parece não estar a facilitar nestas situações, conforme se viu no caso do FC Seraing: punido com uma multa e a impossibilidade de inscrever jogadores durante 4 janelas de transferências (ou seja, dois anos).
Resta também saber se a FIFA ficará por aqui. Se estão atentos aos documentos do Football Leaks, então não lhes terá passado despercebido o documento Project Imbula, que sugere a existência de acordos de TPO encapotados já após a sua proibição, e que seguramente constitui uma infração bem mais grave que a eventual irregularidade da transferência de Mangala.