A AG de hoje deveria ser sobre estatutos e regulamento disciplinar, mas não vai ser. Vai ser sobre a continuidade da direção e, em particular, do atual presidente. Mas se a AG de hoje vai ser sobre o presidente que queremos (ou não), então não é apenas assim que deve ser colocada a questão. Convém que cada sócio presente coloque a si próprio uma outra pergunta antes de exercer o seu direito de voto:
Que clube quero que seja o Sporting?
Isto porque o clube acaba inevitavelmente por refletir a imagem do seu líder, que, por sua vez, terá a tendência de se fazer rodear maioritariamente por pessoas que partilhem determinadas características. Falo de características, não de personalidade. Um líder incompetente terá tendência para se rodear de gente incompetente e construir um clube que será presa fácil para os clubes competentes e/ou aldrabões. Um líder competente terá tendência para se rodear de gente competente e construir um clube leal e competitivo. Um líder aldrabão terá tendência para se rodear de aldraboes e construir um clube cuja competitividade assenta na aldrabice. As últimas décadas do futebol português estão carregadas de exemplos destes.
Como eu quero um clube leal e competitivo, não estou disposto a abdicar do trabalho deste presidente e desta direção, com todos os defeitos que possam ter. Estamos perante uma situação em que temos de optar entre Bruno de Carvalho ou o abismo? Não necessariamente, até poderá acontecer que o seu sucessor seja igualmente competente. Mas quais serão as reais probabilidades de surgir uma alternativa igualmente competente e dedicada? Será assim tão provável que surja um presidente igualmente competente? Olhando para o historial dos nossos presidentes e dirigentes das últimas décadas, a resposta à última pergunta é tão óbvia como desanimadora: não.
Bruno de Carvalho tem, obviamente, defeitos. Defeitos esses que são bastante mais visíveis a olho nu do que as suas qualidades, e que acabam por minar, aos olhos de muitos, o excelente trabalho que tem feito. Mas, a meu ver, os principais defeitos que lhe apontam acabam por estar intimamente ligados a outras qualidades suas.
A forma como comunica. Bruno de Carvalho é frontal e direto. Para mim, são duas qualidades importantes neste futebol podre que existe em Portugal, porque é impossível um clube ser respeitado se o seu presidente comer e calar em todas as sacanices que façam a si e à instituição que dirige. Nessa sua frontalidade, usa muitas vezes termos e expressões vulgares que não gosto de ler ou ouvir - por uma questão de civilidade e, sobretudo, de eficácia: infelizmente, o presidente continua não perceber que a forma como costuma manifestar a sua frontalidade acaba por colocar a maior parte das pessoas a discutir o acessório em vez do essencial.
A quantidade de vezes que alimenta guerras desnecessariamente, seja por dar palco a gente insignificante, seja por dar mediatismo a assuntos irrelevantes. Dificilmente voltaremos a ter um presidente tão dedicado ao clube como Bruno de Carvalho. Ao contrário de muitos dirigentes que o antecederam, é perfeitamente claro que este presidente vive o Sporting e para o Sporting 24 horas por dia. Perante esse nível de imersão, consigo compreender a necessidade que sente em ir pessoalmente a todas as frentes de batalha... mas seria melhor para si (e para o Sporting) que ignorasse muitas delas, que delegasse o combate de outras, e que se reservasse para as questões verdadeiramente fundamentais. Até porque quando compra ou alimenta guerras com sportinguistas que discordam de si, acaba por ajudar a alimentar a narrativa de que é um ditador coreano que não tolera visões diferentes e é capaz de tudo para se perpetuar no poder - o que é absurdo, pois nunca esta direção desencadeou qualquer ação nesse sentido, bem pelo contrário. A marcação desta AG, em que coloca a sua permanência nas mãos dos sportinguistas em circunstâncias bastante desfavoráveis (bastam 25,01% dos votos para o retirarem do cargo) assim o demonstra.
Não quero com isto estar a encontrar justificações ou desculpas para os defeitos do homem. O que quero dizer é que, para o bem e para o mal - felizmente muito mais para o bem do que para o mal -, Bruno de Carvalho é como é - e, como em qualquer indivíduo, não podemos nem devemos esperar que seja possível compartimentar as partes boas e as partes más, de forma a ser fácil ficar apenas com o que nos agrada e descartar aquilo de que não gostamos. Seria bom que aprendesse neste capítulo como tem aprendido noutros, claro, mas ninguém é perfeito.
Para quem tenciona votar contra por não gostar dos defeitos que referi acima, ignorando tudo o resto que foi alcançado e todos os compromissos que têm sido cumpridos, não será difícil encontrar um futuro presidente cordial e recatado: existem dezenas de milhares de sportinguistas que cumprem esse requisito. O resto é que já não será tão fácil.
Porque o Sporting que eu quero tem de ser um clube competitivo, não só no futebol, como também nas modalidades.
Porque o Sporting que eu quero tem de ser um clube de princípios, independentemente da podridão que o rodeia, nos quais os sócios e adeptos se podem rever orgulhosamente.
Porque o Sporting que eu quero tem de ser um clube cheio de vitalidade, que atraia os seus sócios e adeptos para a participação ativa na sua vida, seja em dia de jogo, seja em eleições ou AG's, seja em quaisquer outros tipos de eventos.
Porque o Sporting que eu quero tem de ser um clube responsável e transparente, ambicionando um crescimento sustentado constante, que não dependa da bola que bate ou não no poste. Nunca mais quero voltar a sentir a mesma angústia que nos asfixiou há apenas cinco anos. Repito, há apenas cinco anos.
Competitividade, princípios, vitalidade, responsabilidade e transparência. Lembram-se de como estava o clube quando esta direção tomou posse?
Competitividade? Só no futsal e pouco mais. Princípios? Abalados pelo caso Paulo Pereira Cristóvão. Vitalidade? Estádio com lotações em mínimos históricos e uma enorme percentagem de sócios com meses e meses de quotas em atraso. Responsabilidade? À beira da falência, um passivo galopante e sem ativos. Transparência? Pois...
Hoje, o Sporting é campeão no futsal, andebol, futebol feminino, ténis de mesa e atletismo, e está competitivo no futebol, hóquei e voleibol - com vários títulos europeus conquistados em diversas modalidades. O Sporting empenhou-se, com sucesso, na luta contra os fundos e pela implementação do VAR - completamente isolado, contra tudo e contra todos neste país. O Sporting tem tido um crescimento ímpar na sua história de novos associados e nas assistências no atual estádio. O Sporting tem apresentado resultados positivos de forma sistemática, recuperou a maior parte dos passes dos jogadores cedidos a troco de dinheiro para pagar despesas correntes, e fornece regularmente aos sócios detalhes da sua gestão que mais ninguém dá - arrisco a dizer no mundo inteiro -, como, por exemplo, todos os números relativos às transferências de jogadores. O Sporting, pela primeira vez em muito tempo, ganhou património, com a construção do Pavilhão João Rocha.
O nível de exigência aumentou imenso e os obstáculos no caminho de quem liderar este clube mais imensos serão. Desengane-se quem pensar que será fácil encontrar um substituto que dê a devida sequência ao trabalho que tem vindo a ser feito.
Se acho necessária toda esta novela para relegitimar o presidente e a direção? Não. Continuo a não ver nada nesta mudança de estatutos e no novo regulamento disciplinar que justifique todo este drama - de um lado e doutro da barricada. Por mim, a atual direção tem toda a legitimidade para concluir o atual mandato. Mas se o presidente - que é o homem mais odiado deste país por defender intransigentemente os interesses do Sporting, e saco de pancada preferido de uma comunicação social podre - sente necessidade de uma prova de apoio inequívoco por parte daqueles que apreciam tudo aquilo que tem feito, era só o que me faltava não lhe dar um voto de confiança total. Não incondicional, mas total, porque confio que saberá honrá-lo. Depois de tudo o que alcançou - e, mais importante, de tudo aquilo que acredito que ainda irá alcançar -, é o mínimo que posso fazer.
Bruno de Carvalho, com todas as suas virtudes e defeitos, é o presidente que eu quero para o nosso Sporting. Se é o presidente que querem também, já sabem o que têm de fazer esta tarde.