terça-feira, 3 de abril de 2018

Uma questão de disciplina




Tenho quase a certeza que a maior parte dos sportinguistas que tenha visto em direto esta ocorrência da segunda parte do Belenenses - Porto de ontem terá pensado: alguma vez, se o Soares fosse jogador do Sporting, teria deixado de ver um cartão por este empurrão? As quatro expulsões de jogadores nossos nos últimos seis jogos para o campeonato, todas por acumulação de amarelos, servem de resposta a esta questão. O lance que me veio imediatamente à memória foi a forma como Mathieu foi expulso em Tondela por uma ação idêntica cometida sobre um adversário, após esse mesmo adversário lhe ter acertado com o braço na cara alguns segundos antes sem punição. Como sabemos, o árbitro João Capela nem pestanejou: mostrou o segundo amarelo ao francês e o Sporting via-se obrigado a ir à procura do golo da vitória em inferioridade numérica na última meia-hora de jogo.

Ontem, para além do amarelo perdoado a Soares, Brahimi conseguiu ter ainda mais sorte: Hugo Miguel poupou-lhe o cartão quando empurrou várias vezes um adversário que saía de campo para ser substituído; e perto do final, o argelino fez uma tesoura por trás que lhe devia ter valido a expulsão direta, mas o árbitro mostrou-lhe apenas um amarelo.

É uma história bastante batida: a tolerância de que os nossos adversários usufruem raramente existe para jogadores do Sporting.

Claro que vai havendo exceções à regra: Coentrão também devia ter sido expulso em Setúbal, pelos mais que evidentes insultos na cara do árbitro - mas o jogo estava decidido e a expulsão não iria alterar nada -; Danilo Pereira, na época passada, vê um vermelho por tropeçar em Luís Godinho enquanto recuava, e até o Benfic-- bem, ao Benfica nunca acontecem erros de avaliação que lhe sejam prejudiciais: para um jogador ser expulso sem ser a pedido ou estando o jogo por resolver, é preciso mesmo ter feito algo demasiado evidente para ser ignorado (se bem que, muitas vezes, até dessas conseguem escapar).

A gestão da disciplina é um pormaior que pode dar vários pontos a ganhar ou a perder ao longo de uma época, e não há VAR que valha à verdade desportiva: estamos completamente à mercê da homília que os padres quiserem dar. Os números da época são bastante claros. 

Começando pelos cartões vermelhos mostrados a jogadores dos grandes nesta época, o Sporting tem quatro, o Porto tem três e o Benfica tem apenas um. A disparidade entre os clubes é semelhante ao nível do número de minutos que disputaram em inferioridade numérica:


Olhando para o número de cartões vermelhos mostrados aos adversários dos grandes, a disparidade do Sporting para os restantes ainda é maior. O Sporting apenas viu por uma vez um adversário ser expulso, o Porto teve quatro expulsões de adversários, enquanto o Benfica teve seis. No caso do Benfica, essas expulsões correspondem a mais de 160 minutos em superioridade numérica (mais descontos, que não estão contabilizados nestes gráficos).


O saldo entre os penáltis assinalados a favor e contra e entre os minutos em superioridade e inferioridade numérica demonstram uma tendência perfeitamente clara:


Os números ficam ainda mais interessantes se adicionarmos uma outra dimensão a esta análise: as faltas cometidas e sofridas por cada uma das equipas.


O Sporting consegue ser a equipa mais penalizada com vermelhos mesmo cometendo bastante menos faltas que o Porto e sensivelmente as mesmas que o Benfica, da mesma forma que é a equipa que, de longe, mais faltas sofre e raramente tem um adversário expulso.

A cada 61 faltas sofridas, o Benfica tem um adversário expulso, contra a média de 466 do Sporting. Quando passamos a cartões vermelhos por cada falta cometida, a estatística inverte-se: o Sporting vê um vermelho a cada 107 faltas cometidas, enquanto o Benfica teve essa infelicidade apenas em uma das 426 faltas que cometeu até agora no campeonato. Mais elucidativo que isto é impossível.

Como sabemos, isto não é nada de novo. É uma tendência recorrente época atrás de época.

É certo que o Sporting tem culpas próprias na forma como se deixou atrasar na classificação, é mais do que óbvio que, dentro daquilo que está apenas dependente de nós, há coisas que podem e devem ser melhoradas, mas convém sempre contextualizar as análises que se façam. A competição em que estamos inseridos está longe de ser justa e, como tal, não devemos deixar de colocar a seguinte questão antes de pedirmos a cabeça de quem quer que seja: se a tendência prejudicasse Benfica e Porto como prejudica o Sporting e se beneficiasse o Sporting como benefícia o Benfica, será que a classificação no topo da tabela seria igual?

A resposta é simples. Obviamente que não.

P.S.: para outras estatísticas interessantes sobre este tema, recomendo a leitura deste post do Mister do Café (LINK).

P.S.2: entretanto vi isto.