quarta-feira, 11 de julho de 2018

O regresso de Bruno Fernandes

O regresso de Bruno Fernandes ao Sporting é (mais) um assunto que promete dividir os sportinguistas durante os próximos tempos. Há quem não lhe perdoe a rescisão e se sinta humilhado por ver o clube reabrir-lhe as portas, há quem aplauda o regresso e esteja preparado para o receber de braços abertos, da mesma forma que havia quem considerava a rescisão dos nove jogadores como um ataque ao clube, à direção e aos sócios e havia quem compreendesse a decisão face ao que aconteceu na Academia.

Os pontos de vista podem ser diferentes (e, em alguns casos, extremados), mas creio que existem duas áreas em que as opiniões serão quase unânimes. 

A primeira é que, desportivamente, o plantel do Sporting fica bastante mais forte. Falamos apenas de alguém que foi consagrado pela Liga como o melhor jogador da temporada passada - ficarei para sempre na dúvida se Bruno Fernandes teria ganho o prémio caso não tivesse rescindido, mas isso é outra conversa - e que, aos 23 anos de idade, ainda tem margem para evoluir. Logo, parece-me evidente que é um reforço de peso para atacar esta nova época.

A segunda é que, financeiramente, é uma operação obviamente positiva, pelo encaixe que poderá trazer numa eventual futura venda. Em relação ao impacto imediato nas contas, não me parece que seja relevante: considerando que o jogador rescindiu em 2017/18, suponho que a SAD tenha registado no 4º trimestre uma imparidade igual ao montante ainda não amortizado do passe do jogador (que deveria rondar os 7 milhões de euros); agora, que estamos no 1º trimestre de 2018/19 e entrando o jogador (segundo o que foi dito) sem encargos, Bruno Fernandes valerá zero como ativo incorpóreo no balanço. Ou seja, não contribuirá, para já, para retirar a SAD da situação de falência técnica. Isto não é um problema, porque quanto menor for a valorização contabilística de um ativo, maior será a mais-valia no momento em que o jogador for transferido.

Se desportiva e financeiramente não há grandes dúvidas em relação ao benefício deste regresso, há a não menos relevante questão de princípio de o clube estar a abrir as portas a um jogador que decidiu abandoná-lo em concertação com outros colegas, contribuindo para o agravamento de uma crise que já era profunda.

Há que dizer, em primeiro lugar, que Bruno Fernandes esteve muito bem na conferência de imprensa. Revelou coragem ao disponibilizar-se para as perguntas dos jornalistas - e algumas delas foram bem complicadas -, às quais respondeu sempre de forma direta e frontal, em especial quando lhe questionaram as condições financeiras do novo contrato. Bruno Fernandes afirmou ter assinado um contrato igual ao que teria antes, sem mexer no salário e sem receber prémio de assinatura, contrariando assim os cenários de chantagem e aproveitamento indevido.

(isto é, no entanto, uma imagem incompleta: falta saber se o clube continua a ter 100% dos direitos económicos, se foi paga alguma comissão ao empresário, e se o Sporting se comprometeu em ceder ao jogador/empresário/intermediário parte das mais-valias de uma venda futura; pela aparente sinceridade nas respostas, estou convencido que não... mas nestas coisas nunca se sabe)

Creio que no final da época passada, antes das rescisões, ninguém veria com maus olhos uma melhoria contratual de Bruno Fernandes. Voltando nestas condições, está a passar-se a decisão da revisão salarial à futura direção. Como tal, se não existir nenhuma omissão relevante, não haverá nada a apontar em relação à atuação de Sousa Cintra e de Bruno Fernandes nesta reassinatura. Pelo contrário, os interesses do Sporting estarão a ser defendidos por um e por outro. 

Acredito que Bruno Fernandes terá recusado propostas financeiras bastante mais tentadoras do que o contrato que tem com o Sporting. Qualquer clube do meio da tabela das cinco maiores ligas poderia fazê-lo, e não tenho quaisquer dúvidas de que o seu desempenho desportivo na época passada terá aguçado o apetite de vários emblemas com capacidade financeira muito superior à nossa. Resta saber se estariam dispostos a correr o risco de pagar uma indemnização de 100 milhões ao Sporting.

Neste momento, estou assim: as palavras de Bruno Fernandes e as condições acertadas para o seu regresso não chegam para apagar por completo a angústia que senti semanas a fio com a questão das rescisões concertadas (nada que se pudesse fazer poderia apagá-la por completo), mas ajudam a atenuá-la consideravelmente. Foi um golpe ter saído como saiu, mas o facto é que voltou, ao contrário de outros, com os benefícios desportivos e financeiros que daí advêm para o Sporting. Inclusivamente, por ser o primeiro dos nove a dar este passo, este regresso poderá ajudar o Sporting na gestão do dossier das restantes rescisões. Nada disto pode ser ignorado, nem pode ser ignorado o esforço que o jogador parece estar a fazer para sarar as feridas que foram abertas. Vai ser estranho estar no estádio e vê-lo de novo com a nossa camisola, mas vejo espaço para que possa ir avançando no sentido da reconciliação.