terça-feira, 18 de dezembro de 2018

100 dias de Varandas

Completaram-se ontem os primeiros 100 dias da presidência de Frederico Varandas. O presidente assinalou ontem essa marca dando uma entrevista à Sporting TV para fazer um balanço do trabalho realizado e lançar os objetivos que pretende cumprir a curto e médio prazo.

Deixo de seguida a minha opinião sobre o que tem sido feito, dividindo-a pelos seguintes tópicos: gestão do futebol, gestão das modalidades, finanças, componente empresarial, a união do Sporting e comunicação.


Gestão do futebol 

Ao nível do futebol profissional, os primeiros 100 dias da presidência de Frederico Varandas terão sido certamente mais agitados do que estaria à espera quando foi eleito. A atenção esteve inicialmente centrada na reorganização da estrutura, seguindo uma estratégia e uma cadência que me agradam: privilegia-se a contratação dos profissionais considerados certos para cada lugar sobre a sua disponibilidade imediata. Será, por isso, um processo que demorará ainda alguns meses a ser concluído, mas o mais importante é que o diagnóstico parece estar a ser bem feito e as soluções encontradas dão confiança para o futuro. Aos poucos a casa (quem diz casa diz academia, departamento médico, scouting, unidade de performance, estrutura de suporte à equipa profissional e equipas de formação, treinador dos sub-23) vai sendo arrumada com passos bem medidos e seguros. 

O que a nova direção não estaria à espera era ter que ser obrigada a mexer na equipa técnica da equipa principal tão depressa, mas o péssimo rendimento da equipa não permitia outra alternativa. A escolha de Marcel Keizer foi corajosa. Teria sido muito mais cómodo apostar num nome conhecido dos adeptos, mas Varandas não se resguardou e foi atrás do perfil que pretendia para o treinador da equipa principal: alguém que colocasse o Sporting a praticar futebol atrativo e dominador e com apetência para apostar em jovens. Para já, o treinador está a corresponder de forma exemplar, superando largamente as expetativas iniciais. 

Obviamente que é preciso tempo para avaliar se as decisões tomadas ao nível do futebol profissional darão os frutos desejados, mas de uma forma geral os sinais são bastante positivos.


Gestão das modalidades e futebol feminino 

Alguns percalços no início da temporada, com derrotas em algumas supertaças, ditaram um arranque algo turbulento. No entanto, ao contrário dos receios levantados na altura, não há qualquer alteração ao nível da competitividade das nossas equipas: liderança no campeonato de voleibol e duas eliminatórias europeias superadas; liderança no campeonato de andebol e qualificação inédita para a fase seguinte da Liga dos Campeões; liderança no campeonato de hóquei em patins e do grupo da Liga Europeia; segundo lugar no campeonato futsal, mas com a qualificação para a final four da Liga dos Campeões; conquista da Liga dos Campeões de judo, um título europeu inédito para o Sporting e para Portugal; conquista da Taça Ibérica no rugby feminino. 

A nota mais negativa é o desempenho da equipa de futebol feminino sénior, que está a ser uma desilusão. A derrota na supertaça, a eliminação prematura no apuramento para a Liga dos Campeões e o campeonato comprometido são consequências de uma má preparação da época e do plantel e da má qualidade do futebol praticado. 

A continuidade da aposta no ecletismo é uma realidade, pois foi já garantido o regresso do basquetebol sénior masculino (com acesso imediato ao maior escalão da modalidade) e também a criação de equipas de andebol e hóquei femininos. 


Finanças 

O primeiro grande desafio foi o lançamento do empréstimo obrigacionista para pagamento do anterior, adiado desde abril. O processo era à partida delicado por causa de todas as condicionantes conhecidas, e, para piorar, a fase de subscrição foi muito mais agitada do que se pressupunha por causa da falta do apoio da banca na sua publicitação e da explosão do caso Alcochete precisamente no dia anterior ao seu arranque. Creio que a SAD foi apanhada desprevenida e não acautelou tudo o que podia ser acautelado – obviamente que há coisas que não se podiam antecipar, ninguém podia adivinhar que o MP iria deter Bruno de Carvalho um dia antes do início da fase de subscrição –, mas reagiu muito bem à fraca adesão dos primeiros dias, lançando uma campanha intensa que envolveu o desdobramento dos elementos da administração em declarações e entrevistas e um recurso de nível inédito aos atletas e ex-atletas do clube. Os cerca de 26 milhões obtidos acabaram por ser um bom resultado considerando os obstáculos que se levantaram, mas ficaram abaixo das expetativas iniciais – fiquei com a impressão  que a SAD até planeava alargar o valor do empréstimo obrigacionista acima dos 30 milhões caso tivesse havido uma procura superior por parte dos investidores. Como tal, podemos falar apenas num sucesso relativo. 

Seguem-se agora dois desafios importantes. O primeiro é a concretização da reestruturação financeira que permita fechar a recompra das VMOCs e resolver em definitivo a questão da dívida bancária. O segundo, mais imediatista do que estruturante, está ligado à componente desportiva: é necessário aliviar o plantel principal de uma série de jogadores caros que pouca ou nenhuma utilidade têm para equipa de futebol, medida fundamental para baixar a massa salarial e alcançar resultados positivos no final da época. Sousa Cintra deixou uma herança pesada neste aspeto: é preocupante que um plantel tão desequilibrado seja tão ou mais caro que o da época passada sabendo que não teríamos as receitas da Liga dos Campeões. 


Componente empresarial 

Para já, o aspeto mais visível passa pela reabertura da Loja Verde junto ao multidesportivo, mas falta ainda investir forte ao nível das áreas de marketing, corporate e comercial, e também nas infraestruturas – nomeadamente em obras de recuperação e transformação de certas áreas do estádio. É fundamental que haja um bom desempenho desportivo e… dinheiro para reforçar equipas que estão longe de ter os recursos adequados para poderem exercer as suas funções com a qualidade que uma organização com a dimensão do Sporting necessita. 


Unir o Sporting 

A melhor forma de unir o Sporting é através de vitórias, em especial da equipa de futebol. No entanto, tendo sido “Unir o Sporting” o slogan da campanha de Frederico Varandas, era de esperar algo mais a este nível.

“Unir o Sporting” não pode significar apenas o apaziguamento e agregação dos sócios que não se identificavam com o estilo de liderança de Bruno de Carvalho.

Tenho consciência de que não é fácil sarar as feridas geradas por todo o processo que levou à queda da direção anterior e que existe um conjunto de sócios que, desde a AG de junho, passou a estar unicamente interessado em minar e desestabilizar o clube. Não há nada que se possa fazer para os recuperar e não faz sentido que o clube esteja a desviar o seu rumo para se aproximar de quem não respeita a vontade da maioria e não revela abertura para qualquer tipo de entendimento. No entanto, há muitos outros sócios, tão silenciosos como a maioria que votou pela destituição de Bruno de Carvalho, que, continuando a desejar o melhor para o clube, se identificavam com muito do que a direção anterior defendia e que lhe continuam a reconhecer méritos que, a seu ver, deveriam implicar outro tipo de condução desta mudança de ciclo. Estes sócios podem e devem ser recuperados. Fazem falta ao Sporting. 

Infelizmente, será difícil recuperá-los enquanto continuar a haver um discurso revanchista de pessoas que se colam a esta direção e de elementos dos próprios órgãos sociais. Posso referir como exemplo a última edição do Jornal Sporting, que não prestou um bom serviço ao clube: não só retirou o destaque óbvio que a conquista europeia do judo merecia, como também colocou o foco numa entrevista pouco feliz de Baltazar Pinto, presidente do CFD. Na realidade não foi bem uma entrevista, foi sobretudo um desfiar de razões para os sócios confirmarem a suspensão da antiga direção. Apesar de Baltazar Pinto ter começado por dizer que não se iria pronunciar sobre a justiça das sanções, acabaria por dedicar 70% do espaço da entrevista a enumerar e explicar os crimes dos visados. É difícil não interpretar isto como uma tentativa de influenciar os resultados da Assembleia Geral que iria decorrer dois dias depois. Sendo o jornal um órgão de comunicação do clube, seria desejável um tratamento mais neutral do tema.

A AG foi muito bem dirigida – falo pelo que vi nas cerca de três horas em que estive no PJR –, mas é preciso um esforço transversal e persistente de todos os órgãos sociais para efetivamente tentar unir o Sporting. Não tenho nenhuma solução de fácil aplicação para resolver este problema, mas simplesmente sei que será muito mais difícil alcançar uma verdadeira união  enquanto persistir este ambiente de ajuste de contas com o passado.


Comunicação 

É visível que está em curso uma normalização do relacionamento com a comunicação social após alguns anos de difícil convivência. A forma como determinadas notícias vão aparecendo em simultâneo em diferentes jornais desportivos mostram alguma capacidade de marcar a agenda informativa, mas não convém que se fique com a ilusão de que teremos a mesma capacidade que o Benfica tem de controlar a agenda mediática: basta confrontar o tempo de antena e a tinta gasta a comentar Alcochete em semana de empréstimo obrigacionista vs. fase de instrução do e-toupeira, ou a forma como grande parte dos experts da bola malharam em Frederico Varandas aquando do despedimento de Peseiro e posterior contratação de Marcel Keizer. 

Se os progressos ao nível da comunicação oficiosa são evidentes, o mesmo não se pode dizer da comunicação institucional. Têm sido diversas as situações em que o clube ou a SAD deviam ter emitido uma posição oficial sobre acontecimentos que, direta ou indiretamente, nos diziam respeito. Tem prevalecido uma estratégia de silêncio quase total, que, muitas vezes, se pode ser interpretada como passividade ou mesmo fraqueza. Compreendo e concordo com o silêncio quando não temos nada de novo a acrescentar, mas por vezes é mesmo preciso marcar uma posição para o exterior.

Uma última palavra para os meios de comunicação do clube. As redes e o jornal estão em processo de mudança de equipas, que se tem traduzido em alguma quebra de qualidade e gaffes evitáveis, mas há que dar a devida tolerância para as dificuldades que alterações deste tipo implicam. Por sua vez, a Sporting TV mudou a grelha e apresentou novas caras. Pela positiva, gosto do programa Pressão Alta por ser dos poucos espaços que discutem o que se passa à volta do Sporting - concordo que nos devemos virar mais para dentro, mas não exageremos. Pela negativa, a qualidade técnica das transmissões de conferências de imprensa e outros diretos continua a deixar muito a desejar - são frequentes os problemas de som e imagem, que acabam quase sempre por me levar a mudar de canal.