segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Remontada à holandesa

Dizia Marcel Keizer, há uns dias, que na sua opinião é melhor ganhar 3-2 do que ganhar 1-0. O início de jogo de ontem acabou por transformar esta frase numa espécie de profecia para o que a noite reservava ao Sporting, que se viu bem cedo numa situação de desvantagem de dois golos e passou a ter como objetivo mínimo o tal resultado de 3-2. Felizmente esse objetivo acabaria por ser alcançado e até ultrapassado, mas mais assente no esforço e genialidade individual (e alguma felicidade) do que em discernimento coletivo.

Há que dizer que o Nacional não merecia perder por uma diferença tão grande. A equipa de Costinha fez uma excelente 1ª parte, posicionando-se em regiões adiantadas, pressionando alto, colocando 4, 5 ou 6 jogadores em movimentos ofensivos e nunca recorrendo ao antijogo, mesmo em vantagem no marcador. O 1-2 ao intervalo justificava-se plenamente. Creio, no entanto, que esse esforço acabaria por ter consequências: o Nacional quebrou fisicamente e o Sporting foi, progressivamente, tomando conta das operações e terminou o jogo dominando por completo os últimos 30 minutos - período em que obteve quatro golos sem resposta.

Uma vitória expressiva que justificou o entusiasmo nas bancadas e no relvado pela remontada alcançada, mas que também deixou alguns pontos de preocupação pelas fragilidades demonstradas durante a primeira meia-hora - à semelhança do que já tinha acontecido com o Aves.



Remontada à holandesa - não é todos os dias que se marca 5 golos e, sobretudo, não é todos os dias que se marca 5 golos recuperando de uma desvantagem de 0-2. 5 golos que prolongam uma série de elevada produção ofensiva na era Keizer: nestes seis jogos, o Sporting marcou 4, 6, 3, 4, 3 e 5 golos. Ontem, não tendo sido uma noite de nota artística muito elevada, foi pelo menos uma noite em que a equipa demonstrou carácter, personalidade e paciência para virar e resolver uma partida que começou da pior forma possível.

Postal da Borgonha - o magistral livre executado por Mathieu foi o grande momento do jogo. Não só pela beleza do golo, mas também por ter colocado o Sporting pela primeira vez em vantagem no marcador. A distância para a baliza e o local pouco central obrigavam a colocação e potência, e foi colocação e potência que aquele pé esquerdo deu à bola. Totalmente merecedor dos efusivos festejos no relvado, banco e nas bancadas.

Os suspeitos do costume - Bas Dost e Bruno Fernandes, com dois golos cada, foram mais uma vez fundamentais na conquista dos três pontos e confirmaram o excelente momento de forma que atravessam. O holandês mostrou novamente que é um excelente marcador de penáltis (não pela força e colocação dos remates, mas por ser quase sempre capaz de antecipar para que lado o guarda-redes se vai atirar). Ontem marcou 3 em 3, ainda que só 2 tenham contado. Bruno Fernandes, nestes 6 jogos com Keizer, leva uns impressionantes 6 golos e 5 assistências.

Os miúdos que vieram do banco - Miguel Luís entrou ao intervalo para o lugar de Bruno César e Jovane substituiu Nani a 25 minutos do fim. Ambos os jogadores entraram bem e foram importantes para impor o domínio registado na 2ª parte, e tiveram participação direta em dois golos: Jovane fez um grande passe para a desmarcação de Dost no lance do 2-2, e Miguel Luís fez o cruzamento para Bruno Fernandes no 5º golo.



Problemas defensivos - houve remontada porque sofremos dois golos a abrir, e quando se sofre dois golos a abrir é sinal de que existem problemas defensivos que é necessário resolver ou, no mínimo, mitigar. É indiscutível que temos uma questão delicada na lateral esquerda, pois a ausência de Acuña implica a utilização de um Jefferson que comete erros atrás de erros, ainda mais quando não existe um meio-campo suficientemente oleado que seja capaz de compensar os buracos que se vão abrindo - não termos um 6 puro acaba por se notar em algumas circunstâncias. E ontem, para piorar, tivemos também um Mathieu numa noite pouco feliz no controlo do espaço defensivo, o que acabou por tornar mais visíveis esses problemas.

Aposta falhada - não correu bem a aposta em Bruno César para o lugar de Wendel. O brasileiro pareceu sempre um elemento deslocado do coletivo e, não sendo propriamente conhecido por ser um jogador rápido, evidenciou uma completa falta de ritmo que contribuiu para as dificuldades reveladas pelo Sporting para controlar o meio-campo na 1ª parte. Bem substituído ao intervalo. 

Impaciência - é normal que os sportinguistas presentes nas bancadas se tenham sentido intranquilos, mas não vejo o que se pode ganhar em demonstrar essa intranquilidade de forma tão ruidosa em determinados tipos de situação. Os assobios para Renan na marcação dos pontapés de baliza ou nas reposições tiveram consequências: inicialmente procurava opções para sair a jogar sem correr demasiados riscos, mas a partir de determinada altura, após ter sido assobiado por diversas vezes, passou a optar por despejar bolas para a frente. Não faz sentido que o público de Alvalade contribua para a intranquilidade da equipa, ainda por cima em situações em que um jogador está a tentar cumprir as indicações dadas pelo treinador.



Nota artística - 3

MVP - Bruno Fernandes

Arbitragem - muitos lances polémicos, mas Fábio Veríssimo esteve bem na maior parte das decisões. Bem no golo anulado a Dost, pois Diaby estava adiantado no momento em que o passe é feito. O 1º penálti é bem assinalado, pois Vítor Gonçalves desequilibra Dost com um toque com o seu joelho esquerdo. Parece-me boa a decisão no choque de cabeças no remate de Diaby, já que o contacto é provocado pelos dois jogadores em simultâneo - o jogador do Nacional foi contra Diaby, mas o maliano também saltou deslocando-se para trás na direção do adversário. O lance do 2º penálti que deu o 4-2 é o que me deixa mais dúvidas: há uma mão nas costas de Dost e outra a prender-lhe o ombro, mas não sei até que ponto isso foi suficiente para o desequilibrar.



6 jogos, 6 vitórias, 25 golos marcados, 6 golos sofridos. Os números continuam avassaladores, mas as dificuldades que a equipa atravessou nestas duas receções aconselham alguma prudência na equipa e adeptos. Seguem-se um novo jogo com o Rio Ave para a Taça de Portugal e uma deslocação a Guimarães para o campeonato - curiosamente, mais duas partidas contra equipas que quererão jogar de olhos nos olhos.