Não sendo uma situação desejável para nenhuma equipa que ambicione conquistar o título, uma desvantagem de 8 pontos para o líder, num campeonato normal, não é uma sentença de morte nas aspirações da equipa. O problema é que o campeonato português não é, nunca foi, e continuará a não ser um campeonato normal, e é bastante provável que o Porto não perca mais que 8 pontos no decorrer da 2ª volta. Aliás, na 1ª volta só perdeu 8 pontos, contando com os 2 de hoje.
Fonte: zerozero.pt |
Esta é uma das especificidades do futebol português que obrigava o Sporting a ganhar ao Porto para se poder reintrometer nas contas do título. Nunca seria tarefa simples, obviamente, considerando a sequência histórica que a equipa de Sérgio Conceição levava ao entrar em Alvalade. Keizer estudou bem o adversário e fez algumas adaptações que conseguiram secar os pontos fortes do Porto. A primeira parte foi caracterizada por muita combatividade de parte a parte e poucas ocasiões de perigo em ambas as balizas. Até aqui, nada a apontar. O problema foi a hesitação em dar o passo seguinte quando o jogo começou a abrir um pouco na segunda parte. Com vários jogadores em sub-rendimento (Diaby não existiu na 2ª parte, Nani desapareceu a partir dos 60', Wendel estava desgastadíssimo), havendo a necessidade de o Sporting ganhar, esperava-se que o treinador usasse o banco (sim, hoje havia um banco com soluções) para procurar dar um abanão que aumentasse as probabilidades de marcarmos um golo - mesmo que isso também aumentasse as probabilidades de sofrer. Não o fez atempadamente - duas das substituições foram ditadas por lesões e trocou Diaby por Raphinha apenas aos 81' -, o nulo no marcador não se alterou e raramente esteve em risco de ser alterado.
Pela positiva, sobra o bom desempenho de toda a linha defensiva (Gaspar e Jefferson a um bom nível, centrais insuperáveis, e também uma boa entrada em jogo de Ristovski), desta vez com o devido apoio do meio-campo em todas as situações que o exigiam, e com Renan a salvar a equipa com uma incrível dupla defesa a única situação que não foi resolvida pelos seus companheiros.
Nos últimos dois meses tem-se falado muito do treinador português. Dizem-nos que o treinador português tem uma grande capacidade de adaptação às circunstâncias e é capaz de desconstruir e anular os pontos fortes dos adversários. Construir a sua própria ideia de futebol ofensivo é que é pior, mas isso agora não vem ao caso. Pois bem: Keizer demonstrou que, se quiser, também pode recorrer às mesmas "qualidades" que fazem do treinador português aquilo que o treinador português é, e obteve, contra o líder da competição, o mais português de todos os resultados: 0-0. O medo de sofrer sobrepôs-se à necessidade de ganhar num jogo em que ganhar era absolutamente necessário.
O treinador português precisou de algum tempo para se adaptar a Keizer, agora é justo que se dê a Keizer algum tempo para se adaptar às contramedidas lançadas pelo treinador português. A única coisa que desejo é que, durante esse processo de adaptação, os princípios que Keizer apresentou não sejam atropelados pelo pragmatismo à portuguesa.
P.S.: Apesar de ter sido um jogo mais transpirado do que inspirado, foi uma bela tarde de futebol em Alvalade. Futebol à tarde: um luxo raro para os sportinguistas, ainda mais raro tratando-se de uma partida desta importância, a que os adeptos corresponderam com a melhor assistência da época. Não é preciso inventar a roda para ter mais gente nos estádios em Portugal: basta colocar o interesse dos espectadores à frente do interesse dos telespectadores.