quinta-feira, 14 de março de 2019

O risco das poupanças

Têm sido insistentes, nas últimas semanas, as notícias que dão conta de que muitos jogadores do Sporting poderão sair no final da época. Os motivos são diversos: falta de qualidade, contratos que chegam ao fim, possibilidade de aparecerem propostas interessantes para os cofres do clube, e ainda outros casos em que, supostamente, o clube considerará que o rendimento desportivo não está a corresponder ao salário auferido. Dost, Coates, Mathieu, Acuña são alguns dos titulares indiscutíveis que se diz que poderão sair no verão, para além de, previsivelmente, uma série de outros jogadores cuja saída não deixará nenhum sportinguista com particular saudade, como André Pinto, Bruno Gaspar, Jefferson, Gudelj, Petrovic ou Diaby. Bruno Fernandes, a jóia da coroa do plantel, parece ser a única exceção: é desejo dos responsáveis pelo futebol que a equipa da próxima época seja construída à sua volta.

Esta "vassourada" virá na sequência de uma série de saídas a custo zero ou por baixo valor no recente mercado de inverno: Marcelo, Mané, Castaignos, Bruno César, Misic, Sturaro, Montero e Nani.

Poucos discutirão a saída da maior parte dos nomes desta lista, mas os casos de Montero e Nani são diferentes. Nenhum dos dois jogadores foi substituído por um elemento de igual utilidade para a equipa. Luiz Phellype não faz esquecer o colombiano (mesmo a mim, que não sou particular fã de Montero) e Gonzalo Plata só agora chegou a Alcochete, tendo ainda muita papa Cerelac para comer até poder atingir o nível do ex-capitão.

Nos casos de Montero e Nani, a expressão mais utilizada - oficiosamente, através dos jornais - para explicar as suas transferências foi poupança nos salários. Compreendo a decisão da direção em reduzir drasticamente a folha salarial face ao enorme desequilíbrio orçamental que a Comissão de Gestão de Sousa Cintra deixou, mas, ainda assim, as saídas de Montero e, em especial, de Nani, são difíceis de aceitar do ponto de vista desportivo.

Mas fico ainda mais preocupado perante as notícias de que Coates, Mathieu e Dost poderão não continuar na próxima temporada. Já corremos riscos grandes por estarmos obrigados, no próximo defeso, a reformular uma parte demasiado ampla do plantel para substituir o muito entulho que temos - e que exigirá uma enorme percentagem de acerto nas contratações. Mas se a isso juntarmos ainda a substituição de quatro jogadores de qualidade indiscutível - ainda que Dost, neste momento, esteja a atravessar uma grave crise de confiança -, temo que dificilmente teremos capacidade de lutar para o título na próxima época. 

Pego, por exemplo, no caso de Dost. Percebo que o holandês, auferindo um salário de 6 milhões, seja encarado um encargo elevado para as finanças da SAD. Acredito também que o departamento de scouting ache possível contratar um ponta-de-lança que valha muitos golos por valores muito inferiores... mas isso não quer dizer que o consigam fazer, pois existem muitas variáveis que determinam o sucesso de um jogador. A qualidade do atleta que o vier substituir será fundamental, mas não é tudo: falhando a adaptação ao país, ao clube, ao campeonato ou ao sistema de jogo do treinador, essa qualidade não se irá traduzir em golos - e muito menos na grande quantidade de golos que sabemos que Dost vale.

O ajuste orçamental é necessário face à perda dos prémios da Liga dos Campeões. Para piorar a situação, o aumento dos prémios monetários da Liga dos Campeões permite a Porto e Benfica investirem mais e pagar melhores salários aos seus jogadores - e, consequentemente, aumentar a sua capacidade de atrair e manter talento. Pode-se observar no gráfico seguinte que voltou a haver um fosso entre o Sporting e os rivais no que ao orçamento do futebol diz respeito.

2018/19 H1 - 1º semestre; 2018/19 PROJ - projeção para o final da época, com o pressuposto de que os custos do 1º semestre se manterão no 2º semestre

Depois de duas épocas com orçamentos equiparáveis a Porto e Benfica, o primeiro semestre de 2018/19 já permite constatar um aumento de investimento dos nossos adversários. Ao invés, o Sporting terá ainda de fazer um ajuste em baixa. Se os custos do segundo semestre se mantivessem idênticos aos do primeiro, o Benfica gastaria mais 32 milhões do que o Sporting. Isso não deverá acontecer, já que os dois clubes de Lisboa dispensaram vários jogadores caros no inverno, mas o tal fosso é uma realidade indiscutível... e que se vai agravar em 2019/20. A diferença orçamental para os rivais, só por si, faz-nos partir de uma posição de grande desvantagem, mas se a isso juntarmos um extreme makeover do plantel que não poupa nem os melhores... será preciso um milagre para termos uma equipa capaz de competir pelo campeonato.

A história dos últimos anos mostra-nos que é possível ter equipas competitivas com orçamentos inferiores - veja-se os exemplos de 2015/16 e 2013/14 -, mas a margem de erro que o Sporting terá nas decisões de mercado será quase nula. Agora temos de perceber quais as intenções da direção do ponto de vista do orçamento. Espero que não passe por ajustar os custos operacionais aos proveitos operacionais, isso seria um erro. Na minha opinião, deverá ser sempre assumido um risco calculado na definição do orçamento, contando à partida com as mais-valias de uma grande venda ou duas boas vendas.  Não assumir esse risco sujeita-nos a outro tipo de risco, de natureza desportiva. Há que limitar a redução do orçamento tanto quanto possível, de forma a aumentarmos as probabilidades de termos mais jogadores de qualidade e valorizáveis. Isso facilitará a entrada num círculo virtuoso em que o sucesso desportivo e o sucesso financeiro se alimentam mutuamente, e que só um plantel de qualidade pode iniciar.