segunda-feira, 27 de julho de 2020

"It's not me, it's you" (*), parte 1: Os treinadores de Varandas

A contratação de Keizer foi a primeira grande decisão desportiva do mandato de Frederico Varandas. Face à desconfiança com que o fraco currículo do holandês foi recebido, Varandas revelou ao mundo sportinguista o seu critério de quatro parâmetros para seleção de técnicos: competência técnica e tática, liderança, gestão de grupo e comunicação. No entanto, a alegada proficiência de Keizer nesses quatro parâmetros não foram suficientes para o aguentar por muito tempo no clube. Mesmo depois de ter conduzido o Sporting à melhor temporada dos últimos 18 anos (palavras do presidente com que não concordo), o técnico holandês foi despedido poucos dias após o fecho do mercado de verão da época que agora terminou. O treinador do projeto de Varandas, cuja contratação não teve nenhum risco (palavras do presidente), não chegou aos 10 meses no cargo.

Seguiu-se Leonel Pontes, que à data liderava uma equipa de sub-23 que passeava na Liga Revelação. O facto de ninguém assumir de forma clara que Pontes era uma solução provisória, aliada à falta de pressa na contratação do sucessor de Keizer, davam a entender de que a direção estava na expetativa para ver se Pontes desenrascaria como técnico principal. Um empate e três derrotas em quatro jogos demonstraram que não só não desenrascou, como foi suficiente para enterrar de vez quaisquer hipóteses que o clube ainda tivesse no campeonato e deixar a continuidade na Taça da Liga presa por um fio.

Então, Varandas apresentou Jorge Silas, desta vez sem qualquer referência aos quatro parâmetros de seleção referidos na contratação de Keizer - agora o importante era ter um técnico que conhecesse bem o futebol português e fosse ambicioso. Nas entrelinhas, todos perceberam que Silas era a solução possível após negas de uma longa lista de treinadores. A desculpa saída da boca do presidente que ficou a ressoar nos ouvidos dos sportinguistas foi a de que os treinadores com currículo não estão para "aturar um clube de malucos", na tristemente célebre entrevista dada à Teresa, Teresa, Teresa, Teresa. É preciso recuar muitos anos (provavelmente até Carvalhal) para encontrar um técnico que tenha entrado tão fragilizado no clube.

Fragilidade que, sem surpresa, matou Silas à nascença. Sem capacidade para galvanizar o grupo de trabalho e impor mudanças fundamentais para se conseguir sacar o quer que fosse da época, o técnico português foi definhando à medida que os meses foram passando, sem qualquer sinal de apoio da direção e da estrutura profissional de que o presidente tão orgulhosamente fala. O único aspeto notável pela passagem de Silas no Sporting foi a forma como anunciou semi-oficialmente, em conferência de imprensa de jogo, o nome do seu sucessor.

E assim chegamos a Rúben Amorim, técnico que um ano antes andava pelo Campeonato de Portugal e que começou a época no Braga B. Foi promovido por Salvador a técnico da equipa principal e, sob o seu comando, o Braga arrasou tudo e todos. Um par de meses fulgurantes que, para o visionário Varandas, foram suficientes para perceber que estava ali o seu treinador. Mais uma vez, os quatro parâmetros de Keizer ficaram na gaveta: agora, o importante era ter coragem para apostar na formação. Varandas pegou no dinheiro da venda de Matheus Pereira - dinheiro que ainda não tinha - e bateu a cláusula de 10 milhões perante o choque de todos os que conheciam o currículo do treinador e as (tão faladas) dificuldades financeiras que, nos meses anteriores, tinham servido de justificação para todos os fracassos desportivos. O problema é que, quando se pega em dinheiro que não se tem, as coisas não costumam correr bem: a interrupção das competições acabou por adiar a transferência definitiva de Matheus e o Braga continua sem ver um tostão da cláusula.

Rúben Amorim tem muito para aprender enquanto treinador, mas, na minha opinião, tem mostrado qualidades que poderão fazer dele o treinador de que o Sporting precisa. Se vai conseguir ter sucesso no Sporting, é outra conversa: infelizmente, está dependente da qualidade dos jogadores que o duo formado por Varandas e Viana lhe conseguir arranjar. Mas falarei dos jogadores e do mercado na segunda parte desta série de posts.

No que a treinadores diz respeito, a única conclusão possível é que Varandas vai decidindo em função de fezadas, embrulhadas cuidadosamente nas justificações mais convenientes que houver no momento para tentar passar a ideia de que existe algum tipo de estratégia na génese das escolhas. Já não engana ninguém. É apenas navegação à vista. 

Presidente: it's not me, it's you.


(*) Adaptação de uma das mais famosas frases da mítica série Seinfeld, utilizada frequentemente por George Costanza para acabar com relacionamentos da forma menos incómoda possível.