Não é fácil colocar em palavras, de um dia para o outro, o significado da conquista do campeonato, de explicar todo um conjunto de sentimentos demasiado bem guardados e reprimidos durante dezanove longuíssimos anos que, ontem, puderam finalmente subir à superfície. Fruto da prática acumulada, foi-se tornando bem mais simples descrever os sentimentos que nos dominaram a alma durante o tal jejum: frustração pelos desaires e desespero pelas oportunidades que vimos escaparem-nos por entre os dedos, muitas vezes acompanhados pela revolta de sabermos de que não estávamos a participar numa competição justa. De alguma maneira, lá fomos descobrindo fontes renováveis de fé e persistência que nos permitiram sobreviver a episódios inimagináveis até chegarmos a este maravilhoso ponto da história, que cada um de nós pode agora viver e experienciar de uma forma que mais ninguém conseguirá entender por completo.
Neste momento, e como tenho de começar por algum lado, o principal sentimento que identifico é gratidão. Gratidão por ter assistido à proeza extraordinária que é chegar a um título ao fim de 32 jornadas sem ter conhecido adversário que nos superasse em competência e força de vontade, enfrentando e estilhaçando todos os "mas" e todos os "ses", as tradições e os fatalismos, os orçamentos e os currículos, e ainda os Pereiras e as Cláudias e os Arturitos e os profetas da normalidade. Um autêntico 13º trabalho de Hércules dos tempos modernos, ultrapassado de forma imaculada por um grupo fortíssimo onde todos, sem exceção, do roupeiro ao presidente, sem vedetismos, souberam desempenhar o seu papel em prol do coletivo.
A sensação de triunfo é sempre maravilhosa, mas mais especial fica quando alcançada respeitando os melhores pergaminhos e valores do emblema que veneramos - aquela mistura perfeita da irreverência da juventude e da solidez da veterania, com uma fortíssima marca da formação que sempre nos orgulhou -, planeada e executada de forma sublime por um treinador que, não sendo um dos "nossos", conseguiu compreender-nos, adaptar-se ao clube e às expetativas que veio encontrar, e também moldar o clube às qualidades que trouxe e de que tanto precisávamos. Amorim merece esse destaque porque mudou tudo, disfarçou fragilidades e potenciou qualidades dentro e fora de campo, desmontou paradigmas, fabricando um desfecho que ninguém imaginava possível.
É sempre arriscado fazer juízos históricos em cima dos acontecimentos. No entanto, pela forma como alcançou o título e pelas circunstâncias em que o conseguiu - apanhando um clube dividido, dispondo de recursos financeiros muito abaixo dos de ambos os rivais, enfrentando a desconfiança e inevitável cobrança que a fatura dos 10 milhões provocou, e ainda sendo alvo de uma perseguição sem paralelo por parte de dirigentes supostamente imparciais -, diria que Amorim conseguiu o maior feito de um treinador de futebol na história do clube, eventualmente ao qual apenas a conquista da Taça das Taças se pode equiparar. E pode-se discutir, também, se não será um dos maiores feitos da história de todo o futebol português a nível interno.
"E se correr bem?", Rúben? Foi tão, mas tão acima disso...