Imagem da cantina da Academia de Alcochete |
Custa muito a um sportinguista, adepto de um clube que nas últimas décadas habituou o país a produzir uma grande percentagem dos maiores valores do futebol nacional, assistir ao que se tem passado com as equipas das camadas jovens nos últimos anos. Este ano em particular, a eliminação dos juvenis da fase final do campeonato nacional e os resultados insatisfatórios sucessivos da equipa de juniores (com o consequente atraso de 19 pontos em relação ao Benfica) são indiscutivelmente factos que custam muito a aceitar.
É óbvio que é necessário perceber o que está a falhar, pois a escassez de títulos dos últimos anos é sintomática de que há coisas que não estão bem - mesmo considerando que os títulos nas camadas jovens nunca foram uma prioridade para o Sporting.
A reflexão que se segue sobre o estado atual da formação do Sporting não tenta suavizar ou desculpabilizar o quer que seja ou quem quer que seja, nem escapa a algo que é tão óbvio quanto doloroso reconhecer: neste momento o Benfica tem melhores equipas nas camadas jovens e genericamente os seus jogadores têm maior potencial do que os nossos - apesar de isso não significar necessariamente que darão melhores jogadores quando forem lançados às feras no escalão sénior.
Os resultados
Começando pelos juniores, o valor da equipa não me parece tão baixo quanto a participação na Youth League deixa pressupor. É indiscutível que o Chelsea e o Schalke têm melhores jogadores (no caso dos ingleses existem uns miúdos que serão estrelas daqui a poucos anos), mas o desnível dos resultados foi amplificado por circunstâncias infelizes ocorridas ao longo dos jogos. No primeiro jogo contra o Chelsea e nos dois jogos contra o Schalke ficámos a jogar com 10 desde muito cedo, sendo que no jogo em casa com o Schalke até estávamos a vencer enquanto jogámos com 11. Um pouco mais de sorte (ou sangue frio) provavelmente não seria suficiente para o apuramento, mas os resultados certamente que não seriam tão penalizadores.
Internamente as coisas também não estão nada famosas. Apesar do 2º lugar no campeonato nacional, a prestação da equipa tem sido bastante insatisfatória. No entanto, os 19 pontos de atraso para o Benfica têm que ser colocados em perspetiva: na época passada a equipa do Benfica que foi à final da Youth League ficou a 15 pontos do Sporting nesta mesma fase. E no final, nem uma nem outra equipa conseguiram ganhar o campeonato.
No caso dos juvenis, a eliminação foi um choque. No entanto, o cenário não é de forma alguma a tragédia que muitos querem fazer passar. O Sporting ficou apenas a 3 pontos do Benfica e a 1 do Real Massamá, conseguindo a melhor defesa e o melhor ataque. Foi um grupo extremamente equilibrado em que o Sporting começou da pior maneira ao averbar as duas derrotas que teve em toda a competição nas três primeiras jornadas. Bastava que uma das derrotas tivesse terminado num empate, ou um empate numa vitória e os veredictos que hoje se fazem sobre a qualidade da equipa seriam completamente diferentes.
Responsabilidades
No caso dos juniores não faz grande sentido culpar a atual direção do que está a acontecer. O que vemos é o resultado do que foi feito ao longo dos últimos 6 anos, o que significa que quando esta direção tomou posse as bases (para o bem e para o mal) já estavam maioritariamente implementadas. Como é evidente, a direção tem que responder pela instabilidade (e apostas falhadas) nas equipas técnicas das equipa B e junior ao longo dos últimos meses, sendo necessário aguardar mais tempo para perceber até que ponto as medidas entretanto tomadas foram ou não as mais adequadas.
No caso dos juvenis, a eliminação já ditou o afastamento de Telmo Costa (que vai para Angola com Lima no âmbito da parceria com o 1º Agosto) e o regresso de João Couto, que treinou os juniores e os juvenis do Sporting entre 2000 e 2006 - tendo sido contratado pelo Benfica em 2007 (onde esteve durante três anos).
Segundo Bruno de Carvalho, só recentemente foi retomada uma relação de normalidade com a rede de olheiros, o que será um fator fundamental para identificar e atrair os maiores talentos que existem em todo o país. Será também necessário atacar os melhores jogadores iniciados e juvenis de outros clubes - por exemplo, o Real Massamá ou o Sacavenense certamente que terão miúdos com capacidade para estarem no nosso plantel.
De qualquer forma, não consigo perceber uma coisa: como foi possível o Sporting ter ido buscar o José Correia (aka Zé Turbo) ao Real Massamá há seis meses e não ter assinado um contrato com o jogador, permitindo que este saísse a meio da época para o Inter?
Futuro
Os sinais são indiscutivelmente preocupantes, mas isso não quer dizer que a Academia não continue a cumprir o seu objetivo principal: fornecer jogadores para a sua equipa principal. Ter uma equipa de qualidade inferior ao que é normal não quer dizer que não existam 2 ou 3 jogadores que tenham valor para um dia alinhar ao mais alto nível. Os próximos anos encarregar-se-ão de confirmar (ou desmentir) a qualidade dos jogadores que temos neste momento em Alcochete.
A frase "Não existe sorte, existe preparação e oportunidade" que está escrita na parede da cantina da Academia é particularmente feliz a vários níveis: para a direção e estrutura, que precisam de demonstrar mais pró-atividade e sabedoria na gestão das equipas jovens e no recrutamento dos melhores talentos existentes em Portugal; e para os jogadores que crescem na Academia, que devem continuar a trabalhar sabendo que estão no clube que melhores oportunidades lhes proporcionará para darem o salto para a 1ª linha do futebol nacional.
Uma coisa é certa: o anúncio da morte da formação do Sporting como a melhor do país é definitivamente prematuro. Títulos nas camadas jovens, cubos mágicos, polos de ensino secundário e universitário, centros de estágios com 1001 campos relvados e primeiras páginas de jornais não vão transformar por artes mágicas jovens promessas em jogadores capazes de se baterem olhos nos olhos com os melhores - no final do dia Benfica e Porto ainda terão que se confrontar com a escassez de cultura formadora que possuem, e que é fundamental para dar tempo e paciência para os jovens errarem e aprenderem enquanto custam pontos à equipa principal. Esse é um fator fulcral naquela que é a fase mais difícil de desenvolvimento de um jogador e que, tragicamente para os jovens produtos da formação de Benfica e Porto, é a única coisa na construção de um jogador que o dinheiro nunca poderá pagar.