Vamos assumir por um momento que José Manuel Delgado escreveu o editorial de ontem sem segundas intenções. Vamos partir do princípio que a inspiração para este texto não partiu da imensa azia que lhe toma conta do organismo desde as 17h09 do último domingo. Vamos imaginar que o objetivo não é tentar conter os efeitos da injeção de motivação que o grande vencedor da jornada recebeu, ao mesmo tempo que procura amenizar os efeitos psicológicos negativos a quem está neste momento em pior situação.
Mas daí a querer resumir o bom da época do Sporting às vitórias frente ao Benfica é de uma tremenda desonestidade intelectual, ainda mais se nos dermos ao trabalho de fazer uma análise idêntica à época que Benfica e Porto realizaram até agora.
Diz Delgado que o Benfica tem sido a alavanca do sucesso do Sporting, em virtude das duas vitórias alcançadas nos dérbis. Segundo o subdiretor do jornal A Bola, retirando-se da equação as vitórias ao Benfica sobram quatro pontos mal perdidos com Paços e Boavista, uma vitória positiva (vá lá...) em Vila do Conde, a eliminação da Liga dos Campeões, a derrota caseira com o Lokomotiv e o empate com o Besiktas. Realmente, visto assim, parece uma miséria franciscana, mas gostaria de saber quantas equipas irão ganhar à Luz e a Vila do Conde, e também gostaria de saber se os nossos rivais aguentariam incólumes a vergonhosa sequência de arbitragens que internamente nos prejudicaram nas primeiras cinco jornadas e externamente nos custaram o apuramento para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Parece-me também que o empate que obtivemos fora frente ao líder do campeonato turco, recorrendo a diversas segundas linhas, não é propriamente um resultado que envergonhe ninguém. E convém não esquecer que ambas as vitórias frente ao Benfica foram categóricas, uma das quais até valeu um título.
E os nossos rivais? O Porto tem para mostrar uma vitória contra o sempre poderoso Chelsea - mas que atravessa uma fase muito complicada com a 15º posição na Premier League, onde conta com 5 derrotas em 10 jornadas, e uma eliminação recente da Taça da Liga - e outro triunfo sobre o Benfica (em casa). No entanto, já desperdiçaram 6 pontos contra Braga (em casa), Marítimo e Moreirense, e as exibições para consumo interno não têm sido propriamente agradáveis. Nem sequer se pode dizer que o calendário do Porto no campeonato tenha sido até agora mais exigente que o do Sporting. Os dois grandes desafios do Porto até hoje foram disputados no Dragão e saldaram-se numa vitória pela margem mínima sobre o Benfica - alcançada a poucos minutos do fim - e num empate a zeros com o Braga.
E o Benfica o que tem para mostrar? A vitória em Madrid, e pouco mais. Em oposição, foi derrotado duas vezes pelo Sporting e uma vez pelo Porto, perdeu com o Arouca em campo neutro, venceu de forma pouco convincente o Astana e perdeu na Turquia com o Galatasaray, que está a 4 pontos do líder Besiktas. Ou seja, em 5 jogos de dificuldade elevada (Sporting x2, Porto, Atlético e Galatasaray), venceu 1 e perdeu 4.
José Manuel Delgado começou o seu editorial escrevendo que, tirando ao Sporting os dois jogos com o Benfica, os resultados não são deslumbrantes. Verdade. Os sportinguistas não têm motivos para estar eufóricos. Concordo plenamente. Mas, para já, existem razões para os sportinguistas se sentirem confiantes e motivados perante a evolução que a equipa tem registado. Talvez tantas ou mais que os portistas - que começam a ficar resignados perante a estagnação da qualidade de jogo que Lopetegui apresenta, apesar das muitas soluções que tem no plantel -, e seguramente mais que os benfiquistas, por todos os motivos que se conhecem. Tudo poderá mudar repentinamente, mas a situação atual é favorável ao Sporting, por muito que Delgado tente destacar os episódios negativos que ocorreram ao clube ao longo destes três meses de competição.
Que raio!, se o Sporting está a fazer o melhor arranque de campeonato dos últimos 25 anos, talvez fosse de admitir que alguma coisa estará a ser bem feita para além das vitórias ao Benfica.
Os jornalistas e comentadores mais tendenciosos têm o hábito de fazer análises de copo meio cheio e copo meio vazio em função dos seus interesses pessoais. Delgado conseguiu ir ainda mais além e presenteou-nos com uma análise de tal forma toldada pela frustração com os resultados recentes, que nem sequer deu ao Sporting o direito ao seu copo meio vazio. Três quartos de copo vazio, quanto muito...