quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O copo 75% vazio de José Manuel Delgado

Vamos assumir por um momento que José Manuel Delgado escreveu o editorial de ontem sem segundas intenções. Vamos partir do princípio que a inspiração para este texto não partiu da imensa azia que lhe toma conta do organismo desde as 17h09 do último domingo. Vamos imaginar que o objetivo não é tentar conter os efeitos da injeção de motivação que o grande vencedor da jornada recebeu, ao mesmo tempo que procura amenizar os efeitos psicológicos negativos a quem está neste momento em pior situação.

Concordo totalmente que uma vitória na Luz para o campeonato - por muito categórica que seja - não é motivo para euforias. O Sporting vem de uma sequência muito positiva de quatro jogos em que venceu por números esclarecedores, mas há que considerar que foram disputados contra adversários de graus de dificuldade muito díspares. E também é verdade que a época ainda é curta e o Sporting nem sempre tem sido convincente nas exibições.

Mas daí a querer resumir o bom da época do Sporting às vitórias frente ao Benfica é de uma tremenda desonestidade intelectual, ainda mais se nos dermos ao trabalho de fazer uma análise idêntica à época que Benfica e Porto realizaram até agora.

Diz Delgado que o Benfica tem sido a alavanca do sucesso do Sporting, em virtude das duas vitórias alcançadas nos dérbis. Segundo o subdiretor do jornal A Bola, retirando-se da equação as vitórias ao Benfica sobram quatro pontos mal perdidos com Paços e Boavista, uma vitória positiva (vá lá...) em Vila do Conde, a eliminação da Liga dos Campeões, a derrota caseira com o Lokomotiv e o empate com o Besiktas. Realmente, visto assim, parece uma miséria franciscana, mas gostaria de saber quantas equipas irão ganhar à Luz e a Vila do Conde, e também gostaria de saber se os nossos rivais aguentariam incólumes a vergonhosa sequência de arbitragens que internamente nos prejudicaram nas primeiras cinco jornadas e externamente nos custaram o apuramento para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Parece-me também que o empate que obtivemos fora frente ao líder do campeonato turco, recorrendo a diversas segundas linhas, não é propriamente um resultado que envergonhe ninguém. E convém não esquecer que ambas as vitórias frente ao Benfica foram categóricas, uma das quais até valeu um título.

E os nossos rivais? O Porto tem para mostrar uma vitória contra o sempre poderoso Chelsea - mas que atravessa uma fase muito complicada com a 15º posição na Premier League, onde conta com 5 derrotas em 10 jornadas, e uma eliminação recente da Taça da Liga - e outro triunfo sobre o Benfica (em casa). No entanto, já desperdiçaram 6 pontos contra Braga (em casa), Marítimo e Moreirense, e as exibições para consumo interno não têm sido propriamente agradáveis. Nem sequer se pode dizer que o calendário do Porto no campeonato tenha sido até agora mais exigente que o do Sporting. Os dois grandes desafios do Porto até hoje foram disputados no Dragão e saldaram-se numa vitória pela margem mínima sobre o Benfica - alcançada a poucos minutos do fim - e num empate a zeros com o Braga.

E o Benfica o que tem para mostrar? A vitória em Madrid, e pouco mais. Em oposição, foi derrotado duas vezes pelo Sporting e uma vez pelo Porto, perdeu com o Arouca em campo neutro, venceu de forma pouco convincente o Astana e perdeu na Turquia com o Galatasaray, que está a 4 pontos do líder Besiktas. Ou seja, em 5 jogos de dificuldade elevada (Sporting x2, Porto, Atlético e Galatasaray), venceu 1 e perdeu 4.

José Manuel Delgado começou o seu editorial escrevendo que, tirando ao Sporting os dois jogos com o Benfica, os resultados não são deslumbrantes. Verdade. Os sportinguistas não têm motivos para estar eufóricos. Concordo plenamente. Mas, para já, existem razões para os sportinguistas se sentirem confiantes e motivados perante a evolução que a equipa tem registado. Talvez tantas ou mais que os portistas - que começam a ficar resignados perante a estagnação da qualidade de jogo que Lopetegui apresenta, apesar das muitas soluções que tem no plantel -, e seguramente mais que os benfiquistas, por todos os motivos que se conhecem. Tudo poderá mudar repentinamente, mas a situação atual é favorável ao Sporting, por muito que Delgado tente destacar os episódios negativos que ocorreram ao clube ao longo destes três meses de competição.

Que raio!, se o Sporting está a fazer o melhor arranque de campeonato dos últimos 25 anos, talvez fosse de admitir que alguma coisa estará a ser bem feita para além das vitórias ao Benfica.


Os jornalistas e comentadores mais tendenciosos têm o hábito de fazer análises de copo meio cheio e copo meio vazio em função dos seus interesses pessoais. Delgado conseguiu ir ainda mais além e presenteou-nos com uma análise de tal forma toldada pela frustração com os resultados recentes, que nem sequer deu ao Sporting o direito ao seu copo meio vazio. Três quartos de copo vazio, quanto muito...