segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O "problema" das guerras de princípios

A quantidade de documentos que o Football Leaks revelou sobre o Sporting deve andar à volta da meia centena, mas a esmagadora maioria deles revelou-se pouco significativo ou mesmo irrelevante para o propósito que os autores do site para a sua divulgação: a exposição da podridão existente no desporto que tanto amam (estou a usar as palavras deles). 

Fica no entanto complicado levar a sério a pureza das suas intenções quando de um dia para o outro desapareceram apenas documentos ligados à Doyen (os restantes só desapareceram 24 horas depois), e quando a esmagadora maioria dos documentos publicados diz respeito a um único clube. Para descrédito adicional da iniciativa, muitos dos últimos ficheiros referiam-se a operações perfeitamente triviais para qualquer organização, como propostas comerciais, troca de correspondência em negociações e apresentações institucionais. Fica por isso claro que o que realmente interessava era divulgar mais e mais documentos, independentemente da relevância do seu conteúdo.

Ao fim de tantos documentos expostos, apenas um deles contém matéria para causar algum melindre aos sportinguistas: a associação ao Caála. Sobre este tema, e apesar das múltiplas intervenções públicas de Bruno de Carvalho desde que essa ligação foi revelada, o único esclarecimento que pode ser considerado relevante foi dado num artigo do Expresso escrito por Pedro Candeias - o mesmo jornalista que deu a conhecer a procuração para a contratação de Cervi e que entrevistou o presidente do Sporting no último sábado -, através de uma fonte ligada ao Sporting. Essa fonte remeteu explicações para o que está escrito no último R&C da SAD. Lendo o R&C pode de facto encontrar-se uma referência ao Caála, mas no âmbito da estratégia de internacionalização do Sporting. Ou seja, nada que pudesse indiciar que a parceria incluiria uma participação direta no reforço da equipa principal de futebol do Sporting a tão curto prazo.

Essa fonte explicou também de forma relativamente satisfatória - mas não completa - a ligação ao Sporting ao Caála por Cervi, mas continuamos no escuro em relação à existência ou não de uma parceria com o Caála por Bruno Paulista.

Enquanto sportinguista não acho estas explicações suficientes, mas consigo imaginar o motivo pelo qual este assunto está a ser tratado com pinças: há uma decisão do TAS prestes a sair no âmbito de uma batalha feroz contra o agiotismo e o desvirtuamento das regras de mercado que os fundos como a Doyen representam, para além de (como se viu) ser um assunto que os rivais não deixariam de aproveitar no ataque cerrado de que o Sporting tem sido alvo desde que Jesus foi contratado. Mas confio que num momento mais oportuno nos serão dados a conhecer os detalhes do negócio - como aliás tem sido prática corrente desta direção.

No fundo, tudo acaba por se resumir a isto: quando alguém está envolvido em guerras de princípios não pode ter rabos de palha. Infelizmente, neste caso, parece-me difícil que a credibilidade do clube não saia afetada junto de quem apoia duas das frentes de batalha em que o Sporting tem sido protagonista no panorama do futebol nacional e internacional: a luta pela transparência no futebol e a guerra contra os fundos. Ficamos sem legitimidade para liderar uma campanha por um futebol mais transparente se não continuarmos a dar o exemplo de forma permanente. E a questão da coerência em relação ao tratamento dos fundos está obviamente em causa, pelo que é normal que se questione o tipo de acordo que foi estabelecido entre o Sporting e António Mosquito.

Por tudo isto e pela postura desta direção no passado, creio que será uma questão de tempo até que as explicações que neste momento estão em falta sejam dadas.

De qualquer forma, este caso também é uma demonstração clara da diferença de transparência que os adeptos em Portugal esperam (e ainda bem) do Sporting em oposição ao que (não) esperam de Benfica e Porto. É que apesar de no mesmo artigo do Expresso a fonte do Sporting ter também feito referência ao facto de António Mosquito ter financiado o negócio Benfica / Samaris (algo que já tinha sido revelado na TVI24 por Pedro Sousa e José Manuel Freitas), não me apercebi qualquer tipo de curiosidade da generalidade dos benfiquistas ou da restante comunicação social em relação aos contornos da contratação do jogador grego. Não que essa curiosidade, existindo, servisse de alguma coisa: já se sabe que teríamos que esperar sentados por qualquer esclarecimento a partir daquelas bandas.