quarta-feira, 5 de setembro de 2018

E-acusados

Conforme se previa após a recente constituição da SAD benfiquista como arguida do processo E-Toupeira, não tardou muito para que o Ministério Público passasse à fase seguinte, acusando formalmente Benfica e Paulo Gonçalves por um extenso rol de crimes: corrupção, recebimento indevido de vantagem, favorecimento pessoal, violação de segredo de justiça, peculato, acesso indevido, violação do dever de sigilo e falsidade informática.

Aquilo que achei mais curioso nas reações à acusação ontem conhecida foi a forma geral como os analistas e comentadores escalaram o nível de gravidade de tudo o que o E-Toupeira envolve. Na semana passada, quando a SAD passou a ser arguida, o caso foi tratado com alguma ligeireza e poucos equacionavam que pudesse haver qualquer tipo de consequência desportiva. Mas ontem, repentinamente, as análises (não cartilheiras) mudaram imenso.

De uma forma geral, há o entendimento de que as provas contra Paulo Gonçalves são concludentes e que não será complicado provar que o Benfica extraiu daí vantagens ilícitas. O processo é considerado simples e é provável que haja julgamento já no princípio de 2019, e as penas a que a SAD está sujeita poderão ser muito mais sérias do que se supunha, já que o MP está a pedir suspensão de atividade entre 6 meses a 3 anos - o que impediria as equipas de futebol do Benfica de participarem em competições desportivas. Para além disso, houve quem referisse que as penas poderão incluir a suspensão de quaisquer apoios do Estado à SAD durante um período entre 1 a 5 anos, o que, por exemplo, poderia colocar em causa a utilização do centro de estágios do Seixal, que se encontra construído em terrenos públicos.


Para além disso, a ponte para eventuais benefícios desportivos está bem explícita no comunicado divulgado pelo MP:
"Tais processos tinham por objeto investigações da área do futebol ou de pessoas relacionadas com este meio, ou de clubes adversários, seus administradores ou colaboradores.


Tais pesquisas foram efetuadas fraudulentamente com a utilização de credenciais de terceiros, sem o seu conhecimento ou consentimento, por forma a obterem acessos encobertos, não detetáveis. Tais informações foram obtidas ilicitamente tendo como contrapartida benefícios indevidos para os funcionários e vantagens ilícitas no interesse da respetiva SAD.

Tais condutas ocorreram designadamente, durante as épocas desportivas 2016/2017 e 2017/2018. Com estes comportamentos os arguidos puseram em risco a integridade do sistema informático da justiça, a probidade das funções públicas, os interesses da verdade e da lealdade desportiva e a integridade das investigações criminais."

Perante isto, queria apenas deixar mais algumas considerações:

  • O CV de Paulo Gonçalves era mais que conhecido quando Luís Filipe Vieira o contratou para o Benfica. Trabalham juntos há onze anos e não passa na cabeça de ninguém que Vieira não faça ideia do tipo de atividades praticadas pelo seu assessor jurídico.
  • Paulo Gonçalves é colaborador do Benfica, mas não é um colaborador qualquer: é alguém que pertence à cúpula de poder da SAD benfiquista, um dos homens de confiança do presidente, que, inclusivamente, representa oficialmente o Benfica em diversos tipos de atividades - como reuniões da Liga (e já o fez depois de ter sido constituído arguido) - pelo que não faz qualquer sentido o argumento utilizado pelo Benfica em como os atos de Paulo Gonçalves não podem implicar a SAD por aquele não se tratar de um administrador da sociedade.
  • Paulo Gonçalves continua em funções, apesar de tudo o que se sabe. Ninguém acredita que seja por uma questão de ingenuidade dos responsáveis máximos da SAD de acreditarem no princípio de presunção de inocência. Aliás, o facto de Paulo Gonçalves não ter sido suspenso no dia a seguir à sua detenção é bastante elucidativo sobre o comprometimento de algumas outras pessoas.
  • Perante o texto do comunicado do MP, fica claro que o Benfica espiou assuntos relacionados com Sporting e Porto de forma a obter trunfos que pudesse utilizar em seu favor. Obviamente que a utilização desses trunfos visava a obtenção de benefícios direta ou indiretamente relacionados com questões desportivas - a não ser que me digam que Sporting, Porto e Benfica se passaram a dedicar exclusivamente à arte do tratamento de bonsais. Como tal, a FPF e a Liga não poderão fechar os olhos ao que se está a passar. 
  • Tendo sido o Sporting uma das vítima do E-Toupeira, a SAD deverá acompanhar atentamente todo este processo para que, em momento oportuno, avance com um processo cível para a obtenção de uma indemnização que compense os danos causados.
  • Relembro que isto aconteceu menos de 10 dias depois de a nossa Comissão de Gestão nos ter envergonhado a todos ao aceitar o convite do Benfica para marcar presença no camarote presidencial da Luz.