terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O estado da nação sportinguista

O Sporting anunciou em comunicado a marcação de uma conferência de imprensa para a próxima sexta-feira para fazer um "balanço e exposição da situação do clube desde setembro de 2018". O tom do comunicado é sombrio e deixa antever uma sessão carregada de questões sensíveis que certamente levantarão muita polémica nos dias e semanas que se seguirão. Alguns dos esclarecimentos dados serão previsíveis e lógicos - começando pelo facto de esta direção pouco ter podido influenciar a época desportiva ao ter entrado com as competições em andamento, com a janela de transferências fechada e com graves problemas de tesouraria de resolução urgente -, mas, pelas referências do tipo "gestão silenciosa", "a verdade sobre o 'Estado da Nação'" ou "sentido de responsabilidade de todos", haverá muito mais para ser apresentado. Veremos até que ponto seremos surpreendidos pelo que aí vem. 

O nível de compreensão e paciência para as explicações que serão dadas variará de sócio para sócio, sendo certo que dependerá muito da avaliação que cada sportinguista faz do trabalho que tem sido feito até aqui. Esta é a minha avaliação. 


O momento desportivo 

O Sporting ganhou a Taça da Liga, a única competição que já está fechada. As derrotas frente a Benfica e Villarreal na Taça de Portugal e Liga Europa nas respetivas primeiras-mãos são comprometedoras, ainda que os resultados sejam teoricamente reversíveis. O campeonato está perdido, afundado num humilhante quarto lugar a uma distância pontual impensável em relação aos três da frente. 

Nunca achei que o Sporting tivesse condições para lutar pelo título esta época, face ao treinador e à qualidade do plantel que ficou definido no dia 31 de agosto. Peseiro foi uma escolha absurda e a construção do plantel não podia ter sido feita de forma mais caótica e desastrosa: acabámos com um plantel mais caro que o da época anterior (apesar de a CG saber que não poderíamos contar com as receitas da Liga dos Campeões) e com enormes desequilíbrios em várias posições carentes de alternativas de qualidade. Isto é responsabilidade da instabilidade que o clube viveu no final da época passada, mas também do trabalho da Comissão de Gestão liderada por Sousa Cintra, que tinha a obrigação de gerir com muito mais competência o pouco dinheiro que o clube tinha para formar uma equipa mais competitiva. 

Mas o que mais preocupa os sportinguistas neste momento é o desnorte que se tem vindo a observar na equipa de futebol de outubro para cá. O despedimento de Peseiro era inevitável e a escolha de Keizer foi surpreendente, tal como surpreendente foi o desempenho da equipa nos primeiros jogos comandados pelo técnico holandês. As ideias de jogo eram refrescantes e os jogadores pareciam ter acolhido com satisfação a filosofia de Keizer, praticando futebol espetacular, o que torna ainda mais incompreensível o fosso em que a equipa caiu de Guimarães para cá. O que terá acontecido no espaço de dois meses para transformar uma equipa confiante num conjunto de jogadores emocionalmente estilhaçados que parecem ter desaprendido de jogar? 

Diria que é absolutamente fundamental que na sexta-feira se faça uma boa apresentação do diagnóstico dos problemas atuais para que os sócios percebam aquilo com que podem contar. Neste momento ninguém é capaz de perceber a forma como a equipa tem sido gerida: não se entende a lógica de rotação do plantel, o uso pouco regular que se tem feito dos reforços e a aparente ausência de prioridades bem definidas no ataque às diversas competições. Nos últimos dias tem-se observado a saída de referências do plantel sem uma explicação lógica que não seja a poupança em salários. Tudo isto aliado à forma como (não) se comunica aos sócios, deixa-nos perante um panorama bastante negro, que não só nos foi retirando a confiança para o que ainda há para jogar esta temporada, como, pior ainda, nos deixa a pensar se a próxima época não estará já condenada à nascença. 

A vitória frente ao Braga reacendeu algumas luzes de esperança, mas ainda há muito para provar nos encontros que se seguem para podermos recuperar o otimismo em relação ao futuro. 


A estrutura do futebol 

Sempre pensei que iríamos atravessar uma época desportiva complicada. As minhas melhores expetativas, nesta primeira época da era Varandas, estavam sobretudo colocadas na promessa eleitoral da construção de uma estrutura de futebol forte e profissional. As peças têm vindo a ser gradualmente apresentadas e, até ver, parece existir um rumo bem definido na construção do edifício do futebol. É justo que haja a consciência por parte dos sócios de que o seu trabalho demorará algum tempo até começar a dar frutos. 

Ao nível do scouting já é possível ver qualquer coisa. Para já, estou otimista face às primeiras movimentações que se observaram no mercado de inverno - que parecem ter valor para serem muito úteis à equipa no imediato ou num futuro próximo.


A defesa intransigente do Sporting Clube de Portugal 

Compreendo que a estratégia da atual direção passasse, em parte, por reduzir o nível de postura de confronto e de ruído mediático gerado pelo clube. No entanto, parece-me que se levou essa ideia a um extremo que facilmente se confunde com passividade e conformismo. 

Para além da falta de reações oficiais ou das reações tardias (24 horas são uma eternidade nos dias que correm), há algumas tomadas de posição que são difíceis de compreender. Por exemplo, não haverá alguma ingenuidade nesta opção de não se criticar publicamente as péssimas arbitragens que nos têm prejudicado sistematicamente ao longo dos últimos meses? Não se deveria ter recorrido no caso e-toupeira pelo sinal que se daria, mesmo não havendo diferenças práticas por ter existido recurso do MP? Não devíamos já ter apresentado queixa na FIFA por causa do assédio do Benfica a Bruma? Não devíamos ter contestado publicamente de imediato o escândalo que foi a expulsão de Ristovski e a posterior demora na redução do castigo que nos impediu de utilizar o lateral na Luz? Ou falar da arbitragem que nos eliminou em Braga na Taça de Portugal no futebol feminino, ou dos 13 minutos que jogámos em inferioridade numérica no dérbi de hóquei em patins? Bem sei que o desporto (e o futebol em particular) precisa de menos polémicas, mas isso não nos dispensa de denunciar aquilo que tem de ser denunciado. Espero que se esteja a fazer isso nos bastidores, porque para já, avaliando apenas pelo que tem vindo a público, isto não se assemelha à defesa intransigente dos interesses do Sporting Clube de Portugal que nos garantiram que iria existir. 

Pego na recente suspensão do estádio da Luz por 4 jogos, que surgiu de uma queixa apresentada pela direção de Bruno de Carvalho. Será que esta direção o teria feito se liderasse o clube na altura? Posso estar a ser injusto, mas duvido que o fizessem. 

Se não for o Sporting a defender os seus interesses, quem o fará? Certamente que não serão os Drs. Meirins, os Proenças ou os Fernandos Gomes da vida. Num futebol que costuma ser controlado pelo maior chico-esperto (para não dizer corrupto) do grupo, dificilmente serão os anjinhos a afirmarem-se sobre os demais. 


Unir o Sporting, ou um fosso que se continua a cavar entre clube e adeptos? 

O Sporting não é um banco. É um clube desportivo cuja força depende muito da capacidade de mobilização dos seus sócios. Mas essa mobilização não acontece de forma espontânea, menos ainda se os resultados do futebol não forem os desejados. É necessário trabalhar essa ligação de dentro para fora, envolvendo os sócios na vida e nas causas do clube, e permitindo uma melhor compreensão do rumo que está a ser seguido para haver uma maior identificação com quem os lidera. 

Neste momento, um sócio do Sporting que queira perceber o que se passa no seu clube, só tem uma alternativa: esgravatar os jornais à procura de pequenos artigos que relatem as posições de "fontes oficiais" do clube sobre situações particulares e, a partir daí, tentar montar o puzzle que permita olhar para a imagem geral. Se em alguns casos até é desejável que se utilizem intermediários para informar o público, noutros não se justifica minimamente que não se comunique diretamente aos sócios usando os meios oficiais do clube. 

O boletim clínico deixou de ser publicado com regularidade, e, quando o é, raramente dá estimativas de tempos de recuperação – nenhum adepto faz ideia de quando voltará Mathieu, por exemplo. Ninguém se deu ao trabalho de explicar a lógica de algumas contratações, como o empréstimo de David Wang - que, ao fim de um mês e meio, ainda não registou um único minuto na equipa de sub-23. Não há informações de valores dos negócios feitos, por vezes nem se comunica a sua realização – como a venda de Demiral. Ninguém da estrutura tem dado uma palavra que seja aos sócios na sequência dos maus resultados da equipa de futebol. Haveria mais exemplos para dar.

Numa altura em que o clube está mais fragmentado que nunca, seria de esperar que a direção de Frederico Varandas fizesse os possíveis por aplicar o lema da sua campanha: Unir o Sporting. Depois de meses tão traumáticos, não só me parece não existir um esforço sistemático e consistente para puxar os sócios para o clube, como me parece que demasiadas decisões têm sido tomadas sem pensar na reação da generalidade dos sócios. Coisas tão básicas como se ter planeado uma homenagem a Luís Boa Morte – que frequentemente ataca o Sporting e sportinguistas nas redes sociais – no dia do Sporting - Arsenal, coisas tão arriscadas como contratar Ilori depois de ter saído do clube como saiu, coisas tão absurdas como termos o presidente a justificar a António Salvador a existência de uma avença a Pedro Henriques (boa sorte a tentar contratar bons profissionais no futuro se ganharmos a fama de não zelar pelo seu bom nome à primeira polémica, deixando ao invés pairar sobre eles as piores suspeições e, neste caso em concreto, tendo acabado por "condená-lo" ao despedimento do cargo de comentador de arbitragem da Sport TV), coisas tão desnecessárias como estar a fazer acusações (ainda que justas) a um rival dias poucos antes de um duplo confronto quando andámos calados nos meses anteriores. 

Um clube não pode ser dirigido de fora para dentro, mas quem está dentro deve, no mínimo, considerar as implicações que as suas decisões têm para o estado de espírito do universo leonino. 


Um longo e difícil caminho para percorrer 

Obviamente que é muito mais fácil criticar quando se está de fora. Convém, no entanto, que ninguém se esqueça das dificuldades que esta direção teve e terá de continuar a enfrentar. Ao cataclismo do desfecho da época passada – com o acesso à Liga dos Campeões perdido na última jornada, a invasão a Alcochete, derrota na final da Taça, rescisões de muitos dos nossos melhores e mais valiosos jogadores – juntou-se uma gestão incompetente no defeso que pouco fez para inverter a situação. Cintra teve duas excelentes intervenções em prol do clube ao recuperar Bruno Fernandes e Bas Dost, mas de resto foi um completo desastre desportivo e financeiro. Esta direção apanhou um plantel depauperado com um treinador comprovadamente incompetente, um empréstimo obrigacionista por pagar, e estava impossibilitada de fazer encaixes imediatos a curto prazo. Tudo isto numa altura em que os piores inimigos do Sporting são os próprios sportinguistas, perdidos em lutas de grupos e grupetas e incapazes de colocar o interesse do clube em primeiro lugar. 

Há que dar tempo ao tempo, esperar que o trabalho produzido comece a dar resultados. Mas também esperamos que existam planos de ação traçados para resolver os problemas que existirem, comunicados de forma transparente e honesta. Os sócios, depois de tudo por que têm passado, não merecem menos que isso.